quarta-feira, 5 de junho de 2013

Sobre charretes e computadores

Ricardo Goldbach

O portal de jornalismo Comunique-se traz, no dia 04/06/13, uma matéria sobre a onda de demissões que atingiu jornalistas do grupo Folha -- um "passaralho", como se costuma chamar.

Dos fatores que podem contribuir para estreitar o mercado de trabalho de jornalistas, dois são determinantes:  a existência de um governo avesso ao papel investigativo da imprensa e a irreversível migração dos veículos para o meio digital. Ficarei com este último.

À época em que eu trabalhava na Cobra -- para quem nasceu depois nos 70, naqueles anos a Cobra Computadores Brasileiros S.A. desenvolvia desde projetos de placas até compiladores e linguagens de programação, passando por assistência técnica em campo -- o Brasil vivia uma onda desenfreada de informatização dos negócios. Com a mesma intensidade, os sindicatos gritavam alertas de que a informatização levaria à redução da oferta de postos de trabalho.

Talvez, por eu ter viés de um trabalhador da indústria de computadores, eu comprava um peixe que era muito vendido: "Os postos de trabalho não vão desaparecer; haverá apenas a necessidade de os trabalhadores se adaptarem para preencher os novos postos de trabalho". A falácia ia além, descendo a exemplos: "Quando o automóvel surgiu, bastava que os charreteiros aprendessem a dirigir. O emprego não desapareceu, apenas mudou de cara".

Acreditei nisso por algum tempo, até que estendi um pouco aquele raciocínio. Com os motores a explosão não vieram apenas os automóveis; vieram também os ônibus, que levavam, de uma só vez, mais passageiros do que as antigas charretes e carruagens. Apenas como exercício de raciocínio, suponhamos que uma charrete levasse quatro pessoas, ao passo que um ônibus primitivo conduzisse, digamos, uns vinte passageiros. Assim, um charreteiro virou motorista de ônibus, enquanto quatro outros tiveram que inventar outro modo de ganhar a vida.

Enquanto isso, na época das cavernas...

Anúncio de emprego publicado no JB (18/12/1969)
Trazendo aquele cenário para época mais recente, lembro-me de quando as agências bancárias tinham listagens, atualizadas diariamente, contendo os saldos de todos os correntistas. Desse modo, quando eu queria sacar dinheiro da minha conta, na boca do caixa, o funcionário ia consultar meu saldo e anotava na listagem o valor que eu queria sacar. Antes disso, ele conferia visualmente minha assinatura, é claro, comparando-a com a que constava na minha ficha de correntista, que estava armazenada num armário, em algum canto da agência. Ao final do dia, as listagens contendo as anotações feitas à mão eram devolvidas ao CPD (centro de processamento de dados) do banco, onde digitadores (provavelmente em perfuradoras IBM 026, antecessoras das saudosas 029) preparavam as massas de cartões que atualizariam os saldos armazenados nos computadores.

É fácil olhar para essa cena e associá-la à época das cavernas, diante dos atuais cartões bancários chipados cuja senha é a palma da minha própria mão. Por outro lado, desapareceram funções administrativas tais como confrontar assinaturas, anotar saldos e perfurar cartões para atualização de contas. No lugar daqueles funcionários estão hoje os programadores de Visual Basic, COBOL e CICS, além de batalhões de analistas e gerentes de projeto, mas em muito menor quantidade, comparando-se relativamente.

Voltando à imagem dos charreteiros, é como se os quatro desempregados tivessem que ir estudar Odontologia, por exemplo. Antigos trabalhos são extintos, novos surgem em seus lugares, mas a quantidade de postos de trabalho é reduzida. Neste cenário não há lugar para adaptação; trata-se, mesmo, de reorientação profissional, se é que isso está ao alcance de um trabalhador técnico ou administrativo de nível médio.

Os Jetsons chegaram. E agora?

Quando os Jetsons encarnavam o divertido paradigma da sociedade do futuro (inclusive com a empregada Rosie, uma robô que, profeticamente, dispensava carteira de trabalho, férias e FGTS), dizia-se que com a automação do cotidiano as pessoas teriam mais tempo fazer o que quisessem. O futuro chegou, e é grande o contingente de pessoas que dedicam o tempo que têm a mais (o dia inteiro) às atividades de procurar emprego ou estudar desesperadamente para prestar concursos públicos. Isso é visível, tanto nas matérias de comportamento quanto nas de economia -- as publicadas em veículos digitais, é claro, já que rádio e jornal impresso estão em vias de extinção, no mundo inteiro. Com o progresso, os jornalistas daquelas mídias, da Folha e de outro veículos, agora têm mais tempo... para procurar novos empregos, cada vez mais escassos, ou para mudar de carreira, se tiverem o fôlego suficiente.

Esse não é pensamento de um ludita. Mas, como diz aquele filósofo romeno do século XIV, não custa pensar no assunto.

Feliz 2038.

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