terça-feira, 9 de julho de 2013

O atendimento de emergência na visão dos profissionais de saúde

Matéria produzida a partir de entrevista que fiz, em setembro de 2008, com o prof. Jorge de Campos Valadares, pesquisador da Fiocruz/ENSP.

por Ricardo Goldbach
Estudo liderado pela psicóloga Marilene de Castilho Sá, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, e publicado na edição de junho dos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, conclui que trabalhar em um hospital de emergência é lidar com uma demanda que não se esgota na busca por assistência médica num sentido estrito. “Usuários desses serviços também buscam sentido e amparo, pois são uma população em grande parte à margem da cidadania e das redes sociais de apoio e solidariedade”, esclarece Marilene.
"O paciente chega ao hospital procurando um amparo que vai além do atendimento médico".
Segundo o doutor em Saúde Pública pela Fundação Instituto Oswaldo Cruz/ENSP - onde é pesquisador titular - Jorge de Campos Valadares, “esse quadro não tende a se alterar enquanto não forem reestruturadas as condições de atenção primária e a infra-estrutura de oferta de serviços na área de saúde”. Valadares concorda com a autora do estudo, no sentido de que “o atendimento de emergência, especificamente, tem como ônus extra o estado emocional do paciente, que chega ao hospital procurando um amparo que vai além do atendimento médico”.
O especialista diz que a “procura pela estrutura hospitalar poderia ser reduzida com a implementação de atividades e programas de acolhimento, com esclarecimento e prevenção, fundamentados na atenção primária, regionalizada, incluindo aí o trabalho de saúde ambiental”. Não pensar desta forma, segundo Valadares, implica em “se estar continuamente apagando incêndios pontuais”, com as conseqüências recaindo sobre a população e a estrutura de atendimento.
Nas reuniões entre especialistas "muita coisa se dá de forma não transmissível, inclusive os jogos de poder."
“As políticas de saúde pública no Brasil favorecem a manutenção de uma demanda em muito superior à oferta”, diz Valadares. Para o especialista, uma política completa deveria incluir uma prática não somente pluridisciplinar, mas transdisciplinar. Segundo ele, “essa prática implica em uma travessia de confrontos, em que os investimentos afetivos são expressos e reavaliados pelo grupo multidisciplinar, composto por médicos, psicanalistas, enfermeiros, antropólogos, sociólogos, assistentes sociais, dentre outros, além da necessária disposição política de promover a transformação. Isto vai além dos dispositivos técnicos das diversas teorias”. Para o pesquisador, “o trabalho transdisciplinar é um trabalho de grupo que implica a mencionada experiência de confronto, não somente de teorias como também de experiências”, e ele lembra que “a arte da argumentação consiste em trazer a discussão para o seu próprio campo de saber”, segundo o ex-presidente da Fiocruz, Prof. Dr. Luis Fernando Ferreira.
Valadares afirma que “esses trabalhos transdisciplinares, incluindo-se aí a captação de fomento, são muito subalternos à prática política como um todo, e que a saúde pública ainda está num nível pré-freudiano. O ser humano age e produz ‘atuações’, negando que atua”. “Há comportamentos humanos que não são passíveis de ‘esclarecimentos’, pois se dão em ato e não são teorizáveis, se dão na prática dos encontros e dos desencontros”, acrescenta. Nas reuniões entre especialistas “muita coisa se dá de forma não transmissível, inclusive os jogos de poder. Em muitos hospitais se decide quem vai morrer, como uma conseqüência da escassez e do contingenciamento de verbas feitos em instâncias superiores” diz Valadares. Ele afirma ainda que “no âmbito local o investimento poderia ser melhorado através de conselhos municipais de saúde, pois as verbas seriam direcionadas para onde são necessárias, no nível da ação”.
Nosso entrevistado cita Foucault, dizendo que "não há saber sem poder", mas completa afirmando que "mesmo havendo este cuidado com os meandros do poder, pode haver a cooptação, no exercício da política de distribuição de verbas".
Quanto às pesquisas, “as decisões cabem aos pesquisadores mais articulados”, diz. “Isto poderia ser equacionado com a participação de especialistas com experiência consagrada em psicologia social, nas etapas de pesquisa, ensino e planejamento. O pensamento não pode ser baseado em certezas. Para que se tenha uma prática que não seja pré-freudiana, é necessário que se tenha em mente a afirmação de Heidegger: ‘a dúvida é a piedade do pensamento’”, afirma o cientista. “A cada minuto as certezas devem ser abaladas para que os conceitos não se transformem em preconceitos”, diz. Nosso entrevistado cita Foucault, dizendo que “não há saber sem poder”, mas completa afirmando que “mesmo havendo este cuidado com os meandros do poder, pode haver a cooptação, no exercício da política de distribuição de verbas”.

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