segunda-feira, 8 de julho de 2013

Prism, o Echelon 2.0

Ricardo Goldbach

Quem não tem lido jornais nas últimas décadas pode surpreender-se com o sistema de espionagem eletrônica Prism e seus objetivos, que o presidente Barack Obama tanto busca esconder ou minimizar. Trata-se de mais um aparato de dominação global dos EUA, operado por serviços de inteligência, a ganhar atenção da mídia, desta vez com a exposição dada por Edward Snowden.

O fato é que o Prism é como um sucessor do Echelon, turbinado com algo de Big Data. O Echelon é uma rede de coleta e processamento de dados de telefonia, fax e e-mail implementada com a cumplicidade dos governos do Canadá, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia. O sistema chegou a ser usado para espionagem industrial, de modo a dar às empresas sediadas nos países-membros vantagens competitivas sobre os concorrentes europeus. Foi essa a natureza da denúncia da então ministra da Justiça da Franca, Elizabeth Guigou, nos idos de 2000, segundo a BBC, em matéria com o título “França acusa EUA de espionagem”:
The Echelon surveillance network - which can intercept private telephone conversations, faxes and e-mails worldwide - had apparently been diverted to keep watch on commercial rivals.
A BBC explica:
Her comments came as a report commissioned by the European Parliament alleged that the UK was helping the US to spy on its European partners.
Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, James Rubin, fez seu papel – mentiu: "US intelligence agencies are not tasked to engage in industrial espionage or obtain trade secrets for the benefit of any US company or companies", no que foi acompanhado pelo então primeiro-ministro britânico Tony Blair.

Ainda em 2000, a Wired deu atenção ao caso, sob o título “França perplexa e aterrorizada com o Echelon”.

No Wall Street Journal, em 17 de março daquele mesmo ano, James Woolsey, ex-diretor da CIA durante a administração Clinton, explica, com arrogância, “Por que espionamos nossos aliados”, em artigo que tem precisamente este título. Já no primeiro parágrafo Woolsey mostra a que veio e desmente o porta-voz do Departamento de Estado:
Yes, my continental European friends, we have spied on you. And it's true that we use computers to sort through data by using keywords. Have you stopped to ask yourselves what we're looking for?
Curiosa e inocentemente, a explicação de Woolsey diz que a espionagem permitiu que se descobrisse casos de corrupção, que então foram levados aos governos interessados, o que por sua vez alterou o resultado de concorrências. Assim, o projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) foi ganho pela Raytheon, em 1995, porque a francesa Thomson havia subornado autoridades brasileiras. Igualmente, segundo Wolsey, numa concorrência para a aquisição de aviões pela Arábia Saudita, o consórcio europeu Airbus perdeu a vez para a Boeing porque havia subornado autoridades sauditas. O fato é que em ambos os casos empresas norte-americanas saíram-se bem.

Woolsey termina sua peroração com uma recomendação:
Get serious, Europeans. Stop blaming us and reform your own statist economic policies. Then your companies can become more efficient and innovative, and they won't need to resort to bribery to compete.
And then we won't need to spy on you.
Algo como, “Europa, pare de nos culpar e modifique suas políticas econômicas estatizantes. Se suas empresas forem mais eficientes e inovativas, não precisarão recorrer a subornos para poder competir, e nós não precisaremos espionar vocês”. Um primor de cinismo, não?

Em maio de 2001, o jornal The Guardian ainda se dedicava ao tema, fazendo um descrição sucinta do Echelon e trazendo links diversos sobre os ecos do escândalo.

Em julho de 2008, a CSN informa que o Parlamento Europeu abrirá investigação sobre o caso.

Somente agora, em meados de 2013, a exposição de Snowden consegue colocar o assunto nas primeiras páginas de todo o mundo. Old news, pode-se dizer. Mas pelo menos foi reaceso um tema sobre o qual a Casa Branca e seus cúmplices de além-mar tanto mentiram ao longo dos últimos anos. E provavelmente continuam mentindo, pois faz pouco sentido investir bilhões de dólares na coleta e filtragem de metadados, mas deixar de lado a coleta da informação propriamente dita -- o áudio de um telefonema ou o corpo de um e-mail, por exemplo -- quando relevante.


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