quinta-feira, 3 de julho de 2014

O depois não existe

sobre Ivan Junqueira e Dylan Thomas

 por Ricardo Goldbach




Há cerca de dois anos, revisando a tradução legendada do filme “A Love Song for Bobby Long”, empaquei com o texto do tradutor. Em dado momento, Bobby, interpretado por John Travolta, recita o poema “To Others than You”, de Dylan Thomas, cujos versos iniciais são:


Friend by enemy I call you out.
You there, with a bad coin in your socket,
You my friend there with a winning air
Who palmed the lie on me when you looked
Brassily at my shyest secret

No 2º verso, o tradutor escreveu “Você aí, com pés de barro”, mas não fiquei convencido. Tudo indicava a possibilidade de tratar-se de uma expressão idiomática – regional ou não , mas “pés de barrro” soou longe demais.

Googlei possíveis significados da expressão, e a maioria de blogs e sites de legendagem amadorística reproduzia os tais “pés de barro”. Não satisfeito, resolvi consultar tradutores (com “T”) que tivessem se debruçado sobre a obra de Dylan Thomas.

Busquei e encontrei o acadêmico Ivan Junqueira (cadeira 37 da ABL), crítico, poeta e tradutor consagrado de Dylan Thomas e Baudelaire, que havia transposto aquele verso para “Tu com tua falsa moeda”. Apesar de o dever profissional me impôr aceitar a tradução de Ivan, eu ainda não estava satisfeito.

Fui atrás das origens de Thomas, nascido no País de Gales, e descobri que em pequenas cidades galesas diz-se que não adianta tentar se livrar de uma moeda desgastada ou defeituosa (a bad coin), pois ela sempre voltará: é usada para pagar a conta da padaria, o padeiro usa-a para pagar o leiteiro, que por sua vez paga o sapateiro... Em algum momento, a moeda retorna à origem. Não adianta insistir; ela sempre volta, por mais indesejada que seja. É uma boa imagem, essa, que tanto pode estar por trás do verso de Dylan, como pode não estar.

O fato é que somente graças à Internet eu pude conhecer o dito popular galês. Ainda me resta dúvida quanto ao porquê de “socket”, mas isso são outros quinhentos. Ocorreu-me então que, como não havia Google à época da tradução de Junqueira, seria interessante conversar com ele sobre repensar traduções literárias consagradas, dessa vez à luz das pesquisas hoje viabilizadas pela Internet, em busca de revisões plausíveis.

Sempre pensando em expôr minha ideia a  Ivan, não o fiz. Nem o farei mais; os jornais informam que Ivan Junqueira se foi, neste 3 de julho de 2014. 

Me dou conta de que, se o “ótimo” é inimigo do “bom”, o “depois” é o inimigo do “para sempre”.


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