sexta-feira, 1 de maio de 2009

"O Jogo"

Ricardo Goldbach

Uma infinidade de jogos foi criada ao longo da história da Humanidade desde que o gamão – por muitos considerado o mais antigo jogo de que se tem notícia – foi inventado. Uns mais complicados, outros nem tanto. Alguns duram minutos, como uma rodada de pôquer, outros podem durar meses, como os RPG’s ou os jogos de simulação disputados coletivamente em rede. Todos os jogos se caracterizam pela existência de regras claramente definidas, o que, aliás, determina a própria essência de cada um deles, diferenciando-os dos demais. Mas um jogo que tem poucos anos de idade, conhecido como “O Jogo” ou “The Game”, consegue ser diferente, dentre os diferentes.

O Jogo se destaca por ter apenas três regras fundamentais. A primeira delas é na verdade um axioma, uma premissa auto-contida autocontida: “todas as pessoas do mundo estão jogando, mesmo que não o saibam”. Neste caso já estávamos jogando, eu e você. Vamos adiante, para a segunda regra, que diz que “quem se lembra da existência do Jogo está automaticamente eliminado”. Isso quer dizer que nós dois já perdemos. Parece coisa de loucos? Parece, mas espere, ainda tem mais. O que torna O Jogo mais interessante ainda é a terceira regra, segundo a qual quem perde é obrigado a anunciar o fato, em voz alta ou por escrito, para ao menos uma outra pessoa. Qualquer ser humano serve. Mas no fundo, o objetivo do Jogo é esquecer-se de que ele existe. E, como o ser humano não falha, alguns jogadores têm como objetivo secundário fazer os outros perderem, lembrando-os da existência do Jogo, por meio de uma infinidade de artifícios. Vale escrever mensagens em cédulas, pichar muros ou deixar grafitti em paredes de banheiros públicos.

Lembrou? Perdeu.


É na derrota de um jogador que a coisa fica verdadeiramente curiosa. Se quem ouve a confissão não estava jogando, aquele que confessou a derrota faz papel de doido; por outro lado, se o ouvinte estava jogando também, ele é lembrado da existência do Jogo, o que o torna automaticamente um perdedor. Então pode ser divertido perder (gostei desta parte, ser divertido perder algo), como no caso de um grupo de estudantes norte-americanos que perambulava por um shopping center. Alguma coisa lembrou a um dos jovens a existência do Jogo, ele perdeu e anunciou isto em voz alta. Imediatamente, o restante do grupo seguiu-o, também anunciando perda, quando então cada um soube que os demais também jogavam. Até o primeiro anúncio, nenhum deles sabia se os outros estavam ou não jogando – o que me faz lembrar, guardadas as diferenças, do observador da experiência do Gato de Schröedinger. Para completar a cena, um casal que estava numa loja próxima também anunciou a perda, lembrados que foram pelo grupo de adolescentes. Reação atômica em cadeia perde. Mas se é assim, da mesma forma que numa reação atômica, a massa combustível tende a se consumir e o ciclo se encerra, correto? Quase, pois aqui há uma diferença crucial: bastam três segundos ou uma hora, dependendo das limitações particulares de cada um, para que a pessoa se esqueça do Jogo e se torne imediatamente apta a recomeçar.

E?


E quando é que O Jogo termina de vez? Uma corrente de jogadores acredita que ele acabe em definitivo quando o primeiro-ministro da Inglaterra assim o determinar, em cadeia nacional de TV. Não consta que Downing Street tenha se pronunciado a respeito, no entanto.


E para que serve O Jogo? Ora, serve exatamente para aquilo que os jogos insistem em servir: distração, divertimento, uma pequena e sadia dose de breve alienação - talvez por isso tenha se alastrado como gripe entre jovens do mundo inteiro. Serve também, penso, como uma metáfora para outros jogos, como por exemplo o da Vida; será que perdemos quando a trazemos para um plano central da consciência, quando a tornamos mais cerebral do que supostamente ela deveria ser?


Associações interessantes:

Site oficial - LoseTheGame
O Gato de Schröedinger
Ironic process theory
Thought supression
Comunidade Facebook - I just lost The Game

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