sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Os referenciais? Ora, os referenciais...

por Ricardo Goldbach

Um vídeo, que supostamente mostra um barco da guarda costeira japonesa sendo abalroado por um pesqueiro chinês, está sendo considerado como evidência de ação agressiva por parte do Japão da China (lapso corrigido).

Um segundo olhar mostra que as coisas podem não são ser bem assim. Assim como o Sol parece girar em torno da Terra, porque nós estamos fixos no referencial de nosso planeta, é bem possível que o barco de patrulha pudesse estar descrevendo uma curva para estibordo, interrompendo a trajetória original do pesqueiro. Como a câmera que filmou a cena estava fixa no referencial do barco japonês, não há como se afirmar algo sobre as trajetórias relativas entre as duas embarcações.

O tira-teima, aqui, só poderia se dar por meio de um dos três seguintes cenários:
1. disponibilidade de imagens obtidas a partir da embarcação supostamente atingida, para confrontação;

2. disponibilidade de imagens que mostrassem a esteira de espuma deixada pelo barco patrulha, o que seria evidência incontestável da trajetória por ele descrita. Uma imagem da esteira de espuma do pesqueiro serviria ao mesmo objetivo;

3. disponibilidade de imagens obtidas por um observador situado em um terceiro ponto de vista.
Veja as imagens, visualize os três cenários acima, e tire suas próprias conclusões, nestes tempos em que as imagens podem ser lidas - ou manipuladas - como se quiser.






segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"PiG começa ofender a Dilma: ela não passa de um fantoche"

ou "sobre o PiG e os camarões"

por Ricardo Goldbach

Com o título acima (o subtítulo é meu), o jornalista Paulo Henrique Amorim inicia em seu blog um texto que, logo à primeira leitura, exibe o mesmo viés que ele combate nos veículos do "outro lado". A análise de discurso pode ser tarefa que mereça lupa e sagacidade, mas não é este o caso aqui.

A primeira linha da postagem estampa:
"Diz a manchete do Estadão: A vitória de Lula."
A segunda, emenda:
"Diz a manchete do Globo (sic): Lula elege Dilma e aliados já articulam sua volta em 2014."
A terceira e a quarta raspam, com caco de telha, qualquer vontade de leitura do restante, mesmo de considerar o blogueiro como opinador sério:
"Ou seja, a Dilma não é nada.
Não passa de um fantoche."
Este sofisma pueril, esta conclusão de Amorim que é ataque direto à lógica formal de primeira ordem, traz à minha memória uma quadra pré-adolescente, um poemeto non-sense que encerrava-se por
"... se camarão não tem pescoço, por que roubaram minha bicicleta?"
O título da postagem traz algo que não se confirma nas citações. Nenhuma alusão a Dilma, como sucessora de Lula, pode ser considerada ofensa, a não ser para contorcionistas do discurso. Tal condição de Dilma foi reafirmada pelo próprio Lula, inúmeras vezes ao longo da campanha, inclusive quando era proibido, por lei, que houvesse campanha. Mais ainda, a própria presidenta eleita agradeceu a Lula, em discurso proferido no day after das urnas, por tê-la feito chegar onde chegou. A tal transferência de votos - ainda que os 56% obtidos por Dilma estivessem muito abaixo dos 80% da suposta aprovação alcançada por Lula - acabou por manifestar-se, como resultado direto do apoio decisivo do presidente. Onde, então, a ofensa vista por Amorim? Onde qualquer ofensa, a não ser aquela feita à inteligência de quem lê desapaixonadamente um post como aquele?

Pois é, muitas perguntas cabem, dependendo de como se constroi a tese a ser defendida. A primeira que me ocorre, nestes tempos de muita baba raivosa e pouca honestidade intelectual, é: onde estão os articulistas e pensadores de pena própria?


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O ambiente hospitalar é vetor de disseminação do estafilococo aureus resistente à meticilina?


por Ricardo Goldbach

De acordo com artigo publicado no American Journal of Nursing, de março 2008, volume 8, número 3, páginas 72DD - 72DD, que comenta trabalho publicado por Wilson AP, et al. (Crit Care Med 2007;35(10):2275–9), a transmissão do Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) não está ligada à higiene inadequada de funcionários de UTIs. O trabalho comentado no artigo baseou-se em testes realizados em dois hospitais universitários londrinos. Foram testadas mais de 2.400 amostras de utensílios tais como teclados de computador, telefones, monitores cardíacos, maçanetas, além de aventais, torneiras e canetas.

Por outro lado, a infectologista, mestra em epidemiologia, coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e Gerente de Risco do Instituto Nacional de Cardiologia, Marisa Santos, diz que, tanto no Rio de Janeiro quanto no Brasil, as mãos dos profissionais de saúde são o principal vetor de transmissão do MRSA. O estudo em questão levou em consideração os utensílios ambientais, mas não as mãos dos profissionais, propriamente ditas. Santos diz também que, “apesar de os pacientes contaminarem seu entorno, não há identificação de casos de contaminação de um paciente por outro”.

Santos discorda da interpretação contida no artigo, dizendo que “não é verdade que se o profissional de saúde não higienizar as mãos não haverá risco de transmissão de infecção, pois as bactérias são transmitidas primordialmente pelas mãos dos profissionais de saúde”.

A especialista diz que o Brasil tem tradição em pesquisa e publicação de trabalhos na área de Controle de Infecção Hospitalar. Quando em muitos países do mundo o MRSA ainda não era objeto de preocupação, “no Brasil já se efetuava o rastreamento, a identificação e o isolamento de pacientes contaminados, de modo a se evitar a disseminação do estafilococo”. Santos diz também que “este histórico de conhecimento e de ação sobre o MRSA faz com que as atenções mais recentes tenham se voltado para pseudômonas e acinetobacters”.

Em oposição ao MRSA tradicional ou H-MRSA, onde “H” designa a origem hospitalar da contaminação, Santos cita que “existe hoje o CA-MRSA, (community acquired MRSA), que migrou de comunidades aborígenes australianas em direção às instituições de saúde, e atualmente está disseminado pelo mundo”.

Nossa entrevistada afirma que “a identificação do CA-MRSA entre jogadores de futebol norte-americanos permite inferir que toalhas, antibióticos e aparelhos de barbear compartilhados sejam possíveis vetores de transmissão”. Ela preconiza o uso de toalhas individuais de ou de papel, como forma de se evitar o contágio. “Como o combate ao MRSA não se dá através da administração de antibióticos orais, mas apenas de injetáveis, é mais caro impedir sua disseminação”, diz.

Santos afirma que “dentre os pesquisadores da área básica, há pouca gente dedicada ao controle de infecções hospitalares”.  Segundo ela, esta é uma área importante, “na qual se daria o necessário acompanhamento da evolução das bactérias”.

No entanto, segundo a especialista, “a indústria farmacêutica não lança novos antibióticos, por conta de eles não terem uso continuado, não serem comercialmente interessantes”. Santos conclui que “menos antibióticos devem ser usados, ou voltaremos à era pré-antibióticos, quando as infecções não eram passíveis de tratamento e controle”.


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Por que as abelhas somem?

Ricardo Goldbach


Há uns cinco ou seis anos acompanho o noticiário referente ao desaparecimento de abelhas no hemisfério norte. Populações inteiras morrem ou literalmente desaparecem - aos milhões - nos EUA e na Europa. CNN Tech, New York Times, CBS e outros veículos não ignoram, mas não dão acompanhamento. Segundo o especialista Eric Mussen, do Departamento de Entomologia da Universidade da Califórnia, Davis, cerca de 30% das abelhas norte-americanas simplesmente abandonaram suas colmeias e proles, levando as colônias ao colapso, apenas no ano de 2006. No ano seguinte, de acordo com o NY Times, David Bradshaw, apicultor californiano, viu sumirem de um dia para outro metade de suas 100 milhões de abelhas.

Dentre os agentes suspeitamente responsáveis pelo fenômeno, estão as emissões de radiação eletromagnética da telefonia celular e a disseminação de organismos geneticamente modificados. Ao lado deles, aparecem também as chemtrails (chemical trails), rastros resultantes de pulverizações realizadas por meio de aeronaves de todos os tipos e tamanhos, algumas de grande porte e sem qualquer identificação na fuselagem. As autoridades militares e aeronáuticas norteamericanas não levam a sério qualquer menção ao assunto. Alusões à coincidência entre o início do desaparecimento das abelhas e a observação de pulverizações e chemtrails, inicialmente nos EUA e posteriormente na Europa, ficam restritas à mídia alternativa, em que pesem os depoimentos taxativamente vinculantes, gravados com apicultores, fazendeiros e outros interessados não somente na produção de mel, mas também na função polinizadora que aqueles insetos desempenham em cerca de 90% das lavouras do país.

Paralelamente, canais de comunicação oficiais e, mais recentemente, outros nem tanto, continuam a disseminar versão segundo a qual chemtrails são, na verdade, contrails (condensation trails) - rastros provocados pela condensação de ar resultante do calor emitido pelas turbinas de aviões a jato, muito comuns nos céus do hemisfério norte. A grande diferença entre os dois tipos de rastro reside no fato de que contrails dissipam-se em minutos - uma vez que são compostas unicamente de vapor d'água - ao passo que chemtrails expandem-se e consolidam-se em uma única massa, algumas horas após a aspersão, literalmente encobrindo os céus de cidades e resultando em uma precipitação na qual são identificadas diversas substâncias químicas, dentre elas o bário.

O diretor da Associação Alemã de Apicultores e vice-presidente da Associação Européia de Apicultores Profissionais, Walter Haefeker, disse em entrevista à revista Der Spiegel que o declínio médio da população alemã de abelhas, por volta de 2007, era da ordem de 25%, podendo ter chegado a 80% em algumas regiões. Haefeker cita Albert Einstein: "Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a Humanidade duraria cerca de mais quatro anos, apenas. Sem abelhas, interrompe-se o processo de polinização, acabam-se as plantas, acabam-se os animais, acaba-se o Homem".

Enquanto isso, aqui no Brasil, nos preocupamos em identificar qual candidato à presidência, ao senado ou às assembléias é um pouco menos canalha do que seus adversários - há um odor de descompasso no ar. Pode provir de telefonia celular, OGM's ou chemtrails. Tanto faz.


Algumas referências:

Der Spiegel Online International
http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,473166,00.html

New York Times
http://www.nytimes.com/2007/02/27/business/27bees.html

CNN
http://articles.cnn.com/2007-09-06/tech/bee.disorder_1_colony-collapse-disorder-australian-bees-worker-bees?_s=PM%3ATECH

UC, Davis
http://entomology.ucdavis.edu/news/dssericmussen.html

CBS
http://www.cbsnews.com/stories/2008/03/07/eveningnews/main3919204.shtml

Cosmos Magazine
http://www.cosmosmagazine.com/features/online/1087/mystery-dying-bees?page=2

Daily Mail
http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-1289893/Attack-vapours--jet-trails-block-sunshine.html

Examiner.com
http://www.examiner.com/signs-of-the-times-in-phoenix/honey-bees-disappearing-may-be-a-greater-threat-than-global-warming

DiscoveryNews
http://news.discovery.com/animals/honey-bees-disappearing-still-a-problem.html

domingo, 4 de abril de 2010

Sobre Orwell, Endemol e "Boninho"

Ricardo Goldbach

Um artigo de Ivana Bentes, professora, pesquisadora e diretora da ECO-UFRJ, traz considerações sobre o Big Brother Brasil. O texto é lúcido, apesar de não diferir em muito das demais avaliações críticas que já li, até mesmo quanto a merchandising. Nenhuma das resenhas faz uma leitura que considero relevante, sobre esta criação da Endemol. O que é feito pelo mundo afora - com a cumplicidade de um universo de candidatos a celebridades e suas torcidas de arquibancada fabricada, além de patrocinadores e diretores inescrupulosos - é desconstruir e eclipsar um ícone de terror e totalitarismo, o "Grande Irmão" de George Orwell. E totalitarismo é coisa contra a qual o escritor já havia lutado, ao cerrar fileiras com opositores de Franco, na Espanha fascista.

O Big Brother da obra "1984" é figura aglutinadora e diretora de um partido oficial, o único a decidir as políticas de economia, guerra e paz de um continente ajoelhado e subjugado pelo IngSoc (o partido do socialismo inglês). Nesta missão, o Grande Irmão é secundado por uma nomenklatura cujo matiz pode ser hoje em dia comparado a qualquer sabor de fascismo, quer à esquerda quer à direita de um centro para todos os efeitos conceitual e abstrato. A submissão é conseguida por meio da fabricação de verdades e da distorção de números e estatísticas, além de brutal repressão à opinião e ao pensamento, o que inclui a reinvenção do conteúdo semântico dos vocábulos. Mais ainda, o Grande Irmão detém o controle da câmera que invade a privacidade dos lares dos cidadãos, em busca de indícios de crimes insidiosos tais como ler, pensar e escrever.

O personagem principal, Winston Smith, tem como atividade profissional alterar o passado, reeditando páginas antigas do "Time", jornal oficial e único, ao sabor de necessidades e interesses do partido igualmente único. E Smith termina por incorrer no crime de pensar, pelo que paga caro - abdica de sua certeza literal de que "2+2=4", depois de perceber-se amedrontável e torturável, moralmente vulnerável como qualquer ser humano confrontado com seus limites físicos e psicológicos. E abdicar de si mesmo diante de um regime opressor acaba por mostrar-se como algo fatalmente humano, demasiadamente humano.

O que Endemol et caterva fazem, ao eclipsar e refrasear em centro de picadeiro o que deveria ser um convite à reflexão e à resistência, não é mais do que o próprio Smith fazia a mando do Partido - reescrever a história da política e da cultura, com vistas a atender interesses centralizados. No caso aqui, vender detergentes e televisores para uma massa disforme cujos olhos e pensamentos estão conturbados pelo excesso de areia que a tela atira em sua direção.

Ao nomear jovens despreparados, ocos e desesperançados como "brothers" e "sisters", o BBB não serve somente ao merchandising. Também - e principalmente - anestesia e deseduca. Com o sentido da câmera de vigilância invertido, com os lares vigiando os "privilegiados" pelo sistema, a Endemol e seus cúmplices atingem por plágio malicioso os mesmos objetivos do Grande Irmão, e o fazem praticando o newspeak conforme concebido pelo autor original. Sem direito a copyright defendido com garras e presas por batalhões de advogados.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sobre pivetes e empresários

Ricardo Goldbach

O sinal está fechado, a janela idem. O pivete quebra o vidro e, rápido como se furta, leva o fruto da ação consigo. O e-mail está protegido por senha, o perfil no Facebook idem. No entanto, pego em flagrante de sabotagem comercial, Mark Zuckerberg dá uma de pivete. Pensando nas ações de sua empresa, imita a ação do moleque, infiltra-se numa operação concorrente ao seu ainda não lançado Facebook, visando retardá-la em proveito de sua própria criação, e de quebra estilhaça sigilos como se de vidro fossem. E fez mais, de acordo com o Business Insider.

Segundo a publicação, uma sucessão de atos de escroqueria de Zuckerbeg é trazida à tona pela investigação jornalística da publicação Harvard Crimson, da universidade onde ele estudava, ainda no frescor e inexperiência de seus 19 anos. O criador do Facebook é exposto pelo Business Insider, que aprofunda mais a investigação (aqui, aqui e aqui), como um hackeador de contas de e-mail de repórteres, além de invasor e adulterador de perfis do Facebook, e criador de contas-fantasma no provedor de e-mail da universidade.

O Facebook respondeu ao Business Insider com o seguinte e inexpressivo texto:

We’re not going to debate the disgruntled litigants and anonymous sources who seek to rewrite Facebook’s early history or embarrass Mark Zuckerberg with dated allegations. The unquestioned fact is that since leaving Harvard for Silicon Valley nearly six years ago, Mark has led Facebook's growth from a college website to a global service playing an important role in the lives of over 400 million people.

A assessoria de imprensa do Facebook tem razão: é fato inquestionável que o empresário tenha transformado um site acadêmico em estrondoso sucesso empresarial, em cerca de de seis anos. Mas, a bem da verdade, o texto de resposta não responde nada quanto aos supostos atos de Zuckerberg, e menos ainda o faz ao desqualificar o esforço investigativo, que nada de braçada em evidências testemunhais e documentais.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Entrevista - O paciente terminal na UTI e os Cuidados Paliativos

Cuidando do paciente, de seus familiares e da equipe de saúde - para além dos fármacos


Ricardo Goldbach

O conceito de Cuidados Paliativos (CP) é uma categoria da especialidade de Medicina Intensiva que visa proporcionar alívio a pacientes terminais internados em uma UTI. Estes cuidados, que vão além da diminuição do sofrimento físico propriamente dito, estendem-se também aos familiares do paciente e à equipe hospitalar envolvida. A entrevista a seguir foi concedida, em 2008, pelo médico nefrologista, coordenador da rotina de CTI do Hospital Pró-Cardíaco e professor concursado de Clínica Médica da Unirio, com MBA em Gestão de Serviços de Saúde pela FGV, João Luiz Ferreira Costa.

RG  - Uma vez que a dig­nidade humana é o foco central dos CP, quais são as características necessárias a um profissional que atue diretamente com um paciente de UTI, esteja este em estado terminal ou não?

JLFC - Em primeiro lugar, o conhecimento técnico do profissional em relação ao diagnóstico primário do paciente, ao diagnóstico que determinou sua internação na UTI. Em seguida, o conhecimento técnico em relação ao tratamento técnico resolutivo e paliativo. Não adianta apenas fornecer a morfina, é necessário o en­tendimento do mecanismo da dor. Por exemplo, a fisioterapia passiva, que evita a imobilidade articular, pode ser tão ou mais importante que o fármaco.

O profissional deve, ainda, ter completo entendimento anamnésico da história patológica pregressa, psicológica, familiar e sócio-econômica do paciente, resgatando valores evolutivos de vida e sociológicos, sem se esquecer dos valores religiosos envolvidos.

RG - Qual é a importância do conhecimento do médico sobre o ambiente sócio-familiar do paciente?

JLFC - O médico deve entender a família, familiares consanguíneos e pessoas relacionadas, envolvidas com o cuidado e a vida afetiva do paciente. Deve envolver a família, com suas facilidades e dificuldades de relacionamente entre si, com o paciente e com a equipe de saúde, bem como os conflitos envolvendo todo esse universo, até mesmo os burocráticos e financei­ros relativos à cobertura de saúde, como elementos indissociáveis do plano de CP. Isto pode significar até mesmo o envolvimento de profissionais usualmente estranhos à área da saú­de, tais como gerentes de banco e advogados.

O especia­lista deve ser capaz de iden­tificar, no univer­so familiar do paciente, o responsável pelo seu cuidado direto, o responsável pela administração do patrimônio e o responsável legal pelo paciente – podem ser uma ou mais figuras. Uma vez identificados os personagens, usá-los para atenuar e eventualmente resolver esses conflitos.

É preciso entender conflitos como oportunidades de melhoria e não como situações indesejáveis, estabelecendo um canal de comunicação direto, franco e aberto com todos esses elementos e com a equipe de saúde, desestimulando desequilíbrios e conflitos.

O médico deve, por fim, ser capaz de entender e aceitar as suas fragilidades técnicas e emocionais para esse cuidado continuado ao paciente e também à equipe, sendo capaz de solicitar ajuda às instâncias superiores, quando necessário.

"O paciente e sua família transitam entre perplexidade,
negação, negocia­ção, revolta e,
final­mente, aceitação do processo de morte"


RG - Quais são as inter­disciplinaridades atualmente envolvidas em CP e qual é a dinâmica da atuação entre elas?

JLFC - Melhor que a interdisciplinaridade é a transdisciplinaridade, pois o plano de CP deve abordar metas a serem atingidas no prazo do processo de morte. Os fundamentos desse plano de CP são:

1. todos estamos em processo de morte e isto é um fato inexorável;

2. o conhecimento do item anterior não resolve a aceitação, plena ou parcial.

Todas as ações dos profissionais de disciplinas múltiplas devem se passar e se interdigitar de forma transdisciplinar, tendo-se em mente as duas afirmações acima e o fato de que o paciente e sua família transitam entre perplexidade, negação, negociação, revolta e finalmente aceitação do processo de morte.

Assim, uma vez estabelecidos os diagnósticos médicos da primeira questão, estabelece-se um plano de cuidados que envolve ações médicas, de enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, e de outros tantos profissionais necessários, voltados ao alívio do paciente, da família e da própria equipe de saúde. Isto evita excessos de parte a parte, incluindo a propria banalização do processo de morte e do evento do óbito propriamente dito.

RG - É possível a avaliação da eficácia de ações não-técnicas - avaliação do estado emocional do paciente, preparação do paciente ou da família sobre haver um assunto difícil a ser tratado - e para-farmacológicas, no que diz respeito ao alívio do sofrimento de um paciente terminal, ou mesmo na ampliação de sobrevida, com qualidade?

JLFC - Existem iniciativas neste sentido, que já foram instrumentalizadas pela Society of Critical Care Medicine em um questionário chamado Qualifying of Death and Dying (QoDD22). Este questionário está disponível na CCM de março de 2008, e desconheço ainda quaisquer resultados práticos em nosso meio.

RG - Há alguma observação ou comentário extra que você considere como contribuição significativa às reflexões sobre o tema?

JLFC - Acredito que as disciplinas da graduação médica, que privilegiam a excelência do profissional, além de efetividade de habilidades diagnósticas e de estabelecimento de planos terapêuticos e visões prognósticas, deveriam contemplar posturas filosóficas e éticas, indissociáveis de uma prática médica ancorada em conhecimento, habilidade psicomotora e afetividade voltados aos CP.

Os domínios da aprendizagem de Lewis, cognitivos, psicomotores e afetivos, deveriam ser valorizados e aplicados às disciplinas específicas de filosofia ainda no curso básico da graduação médica. Sem isso, não conseguiremos desenvolver as habilidades e predisposição à comunicação necessárias aos cuidados médicos como um todo e aos Cuidados Paliativos, em especial.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Aí ela veio e bateu

Ricardo Goldbach

Aí ela veio e bateu. Bateu forte. A insônia. Do tipo terminal, sabe? Não, insônia terminal não é aquela que antecede o final, a do cara que está tão mal de saúde que já nem consegue mais dormir. Não é essa. Insônia terminal é outra, é a que faz a gente acordar antes da hora. Sabe aquela hora em que a gente acha que tem que resolver todos os problemas? Aquela hora em que eles ficam ali, desfilando provocantes, um atrás do outro, se oferecendo naquela passarela do escuro? Pois é, a gente acorda justamente na hora em que não dá para resolver nenhum deles, não dá para resolver nada, a não ser ir até a janela. Pois é, resolvi ir. A insônia veio e eu fui. Fui até a janela, ver a madrugada. Um cigarro? Não, estou resistindo. E vai que fui até a janela, visitar a madrugada.


E vai que eu fiquei ali, olhando em volta, para a rua e para o céu, para o céu e para a rua. E o que são aqueles pássaros voando baixo, pouco abaixo das copas das árvores de Copa? Nunca sei se são morcegos tardios ou pombos cedios. Existe cedios? Não? Agora existe. Mas vai que entre o céu e a rua tem mais coisas do que a gente imagina, além daqueles pombos que podem ser morcegos que podem ser pombos. Tem também um monte de janelas, nos prédios, com aquela luzinha azulada fraca lá dentro, aquela luzinha que dá uma tremida de quando em vez. Sei, conheço isso, a minha está ligada também.


Uma, duas, oito, quinze. Então lá fora tem mais um monte de gente que também não pode resolver nada a essa hora e resolveu ligar a luzinha azulada. Como tem gente que gosta da companhia dela. Ou então não gosta, mas também isso não é hora de ligar para alguém e bater papo, imagina só... Então fica ali, diante daquele colorido que de longe é azul. Parece que de longe tudo é azul, até a Terra. E quem mais é azul, a fraternidade ou a igualdade? Não me lembro, droga de memória. Mais um problema. Vou para a cama, dormir, esquecer, talvez sonhar. Um abraço, um beijo, bom dia.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Antes que você corra para o iPad, saiba que…

... não é a maravilha que a Apple sugeria ao mercado.

por Ricardo Goldbach

Você tem o costume de plugar o pen drive na entrada USB do seu computador? Gosta de usar câmera embutida para tirar fotografias ou usar aplicativos com reconhecimento de face? Tem o hábito de rodar vários programas ao mesmo tempo? Gosta de ler arquivos em PDF ou rodar aplicativos em Flash?

Então esqueça o iPad. Com ele você só lerá livros digitais compatíveis com o padrão específico da Apple, e não poderá fazer backups no pen drive. Nem pense, também, em usar um HD externo ou qualquer outro dispositivo USB. Mais ainda, este iPod vitaminado não sabe o que fazer diante de um arquivo Flash ou PDF. Como se isso fosse pouco, se você quiser consultar a agenda vai ter que parar de ouvir música - ele executa apenas um aplicativo de cada vez.

É hora de aguardar o futuro anunciado deste que parece ser o equivalente Apple do Windows Vista, um fracasso anunciado com muito estardalhaço mas que já é mal percebido pelos acionistas, que estão perdendo dinheiro. Infelizmente, muita gente irá atrás da propaganda, sem ler as letrinhas miúdas, e perderá dinheiro também.

Resumindo a história, você certamente comprará coisa melhor com os 500 dolares que este brinquedo custa - na configuração mínima.

Uma alternativa anunciada, para quem prefere esperar a poeira baixar, é um dispositivo semelhante, um projeto conjunto das empresas Microsoft e HP. Certamente rodará alguma versão de Windows, provavelmente haverá compatibilidade no que diz respeito a arquivos. Para a HP pode ser uma boa alternativa à sua fonte de receita mais evidente, que é a venda de tinta para impressoras.

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O autor tem mais de 30 anos de experiência em TI, em ambientes de mainframes, minicomputadores,supermicrocomputadores e microcomputadores, nas atividades de levantamento de requisitos, projeto, desenvolvimento, testes e homologação de sistemas, suporte, administração de dados e de bancos de dados, treinamento e coordenação de equipes de desenvolvimento.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

1984 - um ano que nunca termina

Ricardo Goldbach


Notícia e opinião. Separados e identificados. É assim que a cartilha do bom jornalismo define os dois tipos de conteúdo de um veículo impresso ou online, além do terceiro, o anúncio publicitário, que é essencial à sobrevivência financeira da empresa jornalística.

A notícia nos traz um relato sobre algo atual, do interesse de uma significativa parcela da sociedade. É encimada por um título que informa o leitor sobre o conteúdo do texto em si, da matéria. Ao ler o título, o leitor decide o quanto o texto interessa a ele, se prefere ler ou seguir adiante.

Já a opinião é o pensamento de alguém em particular, um pensamento que pode estar baseado em crença, interesse, experiência própria ou qualquer outro viés pessoal. Este alguém pode ser o editor, um especialista em tema relevante ou mesmo o leitor. A opinião é usualmente identificada por estar em um editorial, numa coluna assinada, na seção de cartas de leitores ou ainda representada por uma charge. Mas o que acontece quando um título de matéria expressa uma opinião?

Nessa hora acaba o jornalismo e começa a panfletagem ideológica. Nessa hora o leitor é poupado de ler nas entrelinhas, já está tudo nas linhas, sem maiores vergonhas. Com o acirramento das tensões políticas, que no frigir dos ovos representam mera briga por reserva de mercado, simples luta despudorada entre interesses comerciais – um situado na máquina governamental corrompida, outro na empresa privada - fica exposta uma face daninha da imprensa. Nessa hora o fazedor de opinião vira empurrador de opinião, abaixo de goelas que vão se acostumando a olhar sem ver, a ver sem pensar, a pensar sem criticar. Opinião e notícia não devem jamais se misturar, pelo bem da informação, que nunca é transmitida com isenção, mas que também não pode ser tão contaminada assim. Parece constatação romântica? Parece. É pétrea verdade fundamental? Também.

Tudo isso é muito aparente, óbvio demais, até. Mas não custa lembrar, não custa pensar. Quando o Globo traz uma matéria com o título Governo federal prepara novo ataque à mídia, ele me lembra, mais uma enfadonha vez, que o ano de 2010 terminará, mas o de 1984 não, neste bordel onde não há virgens. Com esse tipo de autofagia da imprensa, não são necessários ataques governamentais interesseira e grosseiramente dirigidos - a mídia faz o serviço sozinha.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ady Gil x Shonan Maru II - crônica sobre um tiro no pé


Ricardo Goldbach

As imagens são impressionantes. Um catamarã futurista, que à primeira vista parece mais a lancha do Batman, é abalroado no dia 6 de janeiro por um navio de porte respeitável, em águas australianas.

O barco Ady Gil, pertencente à organização ambientalista Sea Shepherd (pastor do mar) teve mais de dois metros de sua proa arrancados, mas a tripulação, composta por quatro neozelandezes, um australiano e um holandês, conseguiu salvar-se. O navio agressor, o baleeiro japonês Shonan Maru II, seguiu seu rumo sem dar maior atenção ao incidente - veja as imagens aqui e aqui.


Estas são novas cenas de uma guerra que a Sea Shepherd Conservation Society - braço da organização Greenpeace - vem travando contra a matança de espécies de baleias ameaçadas de extinção. Apesar de o Shonan Maru II trazer escrita a palavra "research" (pesquisa) em seu costado, trata-se de um barco de caça a baleias.

Mas o que chamou minha atenção na tarde de hoje, enquanto eu procurava entender um pouco mais sobre os propósitos e atividades da Sea Shepherd, foi o fato de esta organização adotar as práticas daqueles que pretende combater. Em 18 de dezembro passado, outro barco mantido por ela, o Bob Barker, aproximou-se de baleeiros japoneses, navegando sob bandeira norueguesa. Ao aproximar-se do alvo, a tripulação ambientalista arriou a bandeira que usava, substituindo-a por outra que em muito lembra a de um navio pirata: um crânio sobre fundo negro, e, ao invés de duas tíbias cruzadas, um tridente de Netuno e um cajado de pastor. Em seguida, o Bob Barker e o Shonan Maru II (o mesmo do incidente de hoje) trocaram tiros de canhão.

Uma pergunta não cala: os milhões de dolares gastos na compra de helicóptero de apoio, bem como na aquisição e aparelhamento bélico de navios, não trariam retorno maior caso empregados em campanhas de conscientização e boicote, no estilo "don't buy japanese" ou coisa que o valha?

É uma pena ver um barco tão bonito quanto o Ady Gil afundar em mais uma escaramuça desta guerra. É uma pena ver tantos dolares doados a uma causa ambientalista perderem-se no mar desta forma. Mas, como diz um baiano amigo meu, "if you can't do the time, don't do the crime".

Será que preciso dizer que não tenho interesses diretos ou indiretos na atividade dos matadores de baleias e muito menos apoio o que fazem? Não? Então tá. De qualquer forma, fica o disclaimer.



Créditos das imagens:
Ady Gil - blog Imensidão / Globo online
Shonan Maru II - blog Imensidão / Globo online
Símbolo da organização Sea Shepherd - blog Imensidão / Globo online