terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cultura no lixo e lixo cultural

Ricardo Goldbach

Há poucos dias, tive a oportunidade de conhecer o escritor Cláudio Murilo Leal. Ouvi pequena palestra desse professor itinerante de Literatura (Brasil, Inglaterra, França e Espanha), finda a qual ele apresentou duas pilhas de livros, de duas obras poéticas suas. Com ar constrangido, explicou que os exemplares estavam à venda, que não os havia trazido como presentes. Mais que explicações, praticamente ofereceu pedido de desculpas por estar a vendê-los, dando relato de um evento daqueles que não precisava ter acontecido -- ou que, em tendo acontecido, melhor teria sido não presenciar.

Em ocasião passada, ao receber de editora em situação falimentar um grande lote de livros de sua autoria, Murilo havia optado por dá-los de presente ao final de aulas, palestras e conferências. Um dia, viu um dos contemplados dar uma rápida folheada no regalo e em seguida atirá-lo ao lixo. Desde então, o poeta abre mão do elegante gesto de presentear pessoas desconhecidas com suas obras.

Que tipo de pessoa atira um presente ao lixo? Mais que um presente, um livro? Me ocorre uma explicação fantasiosa, ainda que plausível: deve ser alguém que, ao invés de achar que o presente não está à sua altura, não se considera à altura do presente que ganha. Tem que ser isso, só pode ser isso, pois, do contrário, a indústria cultural – de novelas e enlatados, principalmente -- terá dado mais um passo no processo de alienação identificado por Adorno: produtos ditos culturais se destinariam apenas a fazer o trabalhador entreter-se com superficialidades entre duas jornadas de trabalho, tirando dele um de seus ativos mais preciosos, que é a capacidade de discernir o mundo por seus próprios olhos, coisa não fertilizável por, digamos, uma novela das oito (das nove?) -- cuja eficácia em sentido oposto, aliás, pode vir justamente do excesso de fertilizante oferecido.

Como diria aquele filósofo romeno, "tá danado". "Concerteza", responderia um de seus pares.