por Ricardo Goldbach
Como epílogo do deplorável
espetáculo de despreparo que o governador Sérgio Cabral ofereceu ao Rio e ao mundo na noite de 15 de outubro, chega notícia, via Ancelmo, segundo a qual entre os presos pela PM (manifestantes que
se encontravam na escadaria da Câmara dos Vereadores), está o
pesquisador da Fiocruz Paulo Roberto de Abreu Bruno. O cientista, com
quem não tenho a mais remota ligação, tem um nada magro currículo nas áreas de Engenharia Sanitária, Saúde Coletiva,
Saúde Ambiental e Saneamento, além de passagens por História,
Geografia e Antropologia Social, segundo me informa a Plataforma Lattes.
Pelo que aparenta ser
falta de assunto (e de estofo suficiente para tratar de algum
assunto), Rodrigo Constantino dedica-se, já em 16/10, ao seguinte trecho da Coluna do Ancelmo:
"Entre as 182
pessoas presas durante os conflitos entre polícia e manifestantes no
Centro do Rio, ontem, está o professor e pesquisador Paulo Roberto
de Abreu Bruno, da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz.
Segundo a entidade, ele tem como um dos principais objetos de estudo
a pesquisa de movimentos populares urbanos. Desde junho, vem
recolhendo material de campo e fazendo registro fotográfico das
manifestações no Rio de Janeiro. Paulo Bruno atua também no campo
da saúde coletiva e ambiental tanto em comunidades indígenas
amazônicas como em favelas."
Num desafio simultâneo ao Direito e ao Jornalismo, o articulista da
Veja conclui:
"E agora temos
isso: um representante, professor e pesquisador da entidade envolvido
com criminosos, baderneiros, vândalos que atacam a polícia e
quebram coisas nas ruas."
Estranha e precipitadamente, Constantino esperava da
Fiocruz uma "nota de repúdio pela participação de um dos seus
nesses atos vergonhosos e criminosos".
Baixando a bola e indo
por partes, começando pelo Direito: atribuir falsamente um crime a
alguém é em si o crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código
Penal, e seu autor está sujeito a pena de detenção de 6 meses a 2
anos, além de multa. Não é à toa que o Estado de Direito (não
confundir com estado de direita) promove a atuação dos tribunais e
o estabelecimento do contraditório, alimentados, por um lado, por
inquéritos instaurados pela Polícia Civil e apreciados pelo
Ministério Público e, por outro lado, pelo direito à defesa.
Passados apenas dois dias, ainda se está em fase de inquérito e de
indiciamentos (espera-se também que haja inquérito sobre disparos de
armas de fogo com munição letal, por parte da PM). Por enquanto, qualquer imputação de crime é... mera imputação de crime.
Quanto à ótica
jornalística, nenhuma novidade para quem conhece os fundamentos do
Jornalismo, ou mesmo para quem aprecia estar informado sobre o mundo
ao seu redor: toda e qualquer veiculação de informação dever ser
precedida por apuração, pela minuciosa verificação dos fatos
reportados. Pelo bom senso, o preceito deve valer também para
conteúdos autorais, de opinião; caso contrário, é descrédito
para quem escreve e para quem veicula.
No texto publicado na Veja, há
mera releitura distorcida do texto de outrem. Nesse ponto,
Constantino desvia-se de um de seus ídolos, Ludwig von Mises,
economista e filósofo austríaco, refratário ao nazismo, um dos
pilares da Escola de Viena, que condenou a lógica do polilogismo
(trabalhar com hipóteses antagônicas como se harmoniosas o
fossem): "A humanidade precisa, antes de tudo, se libertar da
submissão a slogans absurdos e voltar a confiar na sensatez da
razão". Segundo esse apelo, "o polilogismo é tão
intrinsecamente sem sentido que ele não pode ser levado
consistentemente às suas últimas consequências lógicas". Dadas as carências de sensatez e razão no libelo que Constantino brande
contra Paulo Roberto e a Fiocruz, sobra apenas um polilogístico tiro no próprio
pé. Dizendo de outra forma, quem distorce o que quer atacar, acaba dando sopapos no ar.
Quanto á presença do cientista na Cinelândia, nada há de estranho em ele ter estado
lá para recolher "material de campo e fazer registro
fotográfico das manifestações no Rio de Janeiro", à luz da
informação de que o preso tem "como um dos principais objetos
de estudo a pesquisa de movimentos populares urbanos". Se é
verdade ou mentira, a conclusão caberá a um tribunal, não a um
economista afoito. A princípio, não vejo por que duvidar da Fiocruz. Como certeza, fica o fato de a PM só ter começado a agir horas depois do início do vandalismo, optando por deixar escapar o flagrante de arruaceiros – aí sim – em pleno quebra-quebra. E o governador Sérgio Cabral, diga-se, deve ser chamado às falas para responder por isso.
Outra coisa
estabelecida até aqui é que atuar no setor financeiro não
instrumentaliza alguém, automaticamente, a ler e interpretar
corretamente uma simples nota do Ancelmo. Quanto à exacerbação
desmedida de vieses ideológicos, isso já é material para outra
enfermaria, basta comparar os títulos dos dois textos.
Afirmação de Ancelmo
Gois: "Entre os presos, professor da Fiocruz, que pesquisa
protestos"
Conclusão de Rodrigo
Constantino: "Fiocruz tem representante entre os criminosos
presos nas 'manifestações'"
Fica o convite à
reflexão: vamos de informação ou de deformação?