por Ricardo Goldbach
Alerta: pode ou não conter spoiler.
O frisson causado pela série Round 6 fez surgirem na mídia artigos e comentários, que li em diagonal. A tônica do meu apanhado versava sobre a série ser ou não produto próprio para consumo infantil, e foi o que me bastou para uma maratona investigativa – e ainda bem que são apenas nove episódios.
Esteticamente, não dá para não enxergar Escher no feerismo de formas e cores que pontua algumas cenografias. Os coloridos seguem o gosto pelos tons pastel das cores cítricas que agradam a tantos orientais. Mas, tirando-se a referência ao artista holandês e as citações à música clássica ocidental, Round 6 bem poderia se passar em uma casa com piscina, salão e vários quartos, todos com decoração multicolorida e infanto-juvenil, como aquela de Jacarepaguá.
É curioso observar como a produção coreana devolveu às câmeras de CFTV a condição que originalmente tiveram em “1984”; tanto jogadores quanto guardas-carcereiros são observados pelo poder central – o Big Brother asiático que substitui o Partido –, e não pelo público hipnotizado diante das tretas programadas pelo poderoso chefão concebido e parido nos Países Baixos e depois clonado mundo afora.
Diferentemente da atração da Endemol, Round 6 não tem as interrupções para intervalos comerciais nem o merchandising invasivo e gritante que garante o salário dos funcionários e financia a logística de funcionamento do set. Mais para o final, a mão invisível do mercado é explicitamente desvelada.
Também ao contrário de BBB, os participantes do zoológico humano oriental não imaginam usar o dinheiro do prêmio para comprar uma casa para os pais, abrir um restaurante ou dar a volta ao mundo. Por razões diversas, todos acumularam dívidas literalmente impagáveis, seja com o fisco, com a justiça ou com agiotas violentos. Os prêmios que eles perseguem às custas das próprias vidas representam simplesmente a chance de escapar das prisões e dos cemitérios do mundo exterior, do lá fora, como eles dizem.
Assim como fazem os brasileiros aspirantes a subcelebridades e a estrelas de anúncios comerciais, jogadores sul-coreanos de diferentes estratos formam panelinhas com o intuito de verem aumentadas as suas chances de sobrevivência, e as diversas subtramas de apoio indicam as afinidades que moldam as equipes, cujos membros podem ser tachados de “bons” ou “maus”. O bons optam por apoio mútuo e trabalho em equipe, altruísmo e bons exemplos têm lugar; já os maus traem, são egoístas, cometem assédio sexual e furam a fila do refeitório. Quando a coisa ruma para o desfecho, no entanto, acaba virando o vale-tudo histérico que se vê no BBB.
De qualquer modo, assim como a produção da Globo, Round 6 não deveria estar ao alcance de crianças; não apenas pelas cenas de violência e carnificina que Hollywood já se encarrega de levar às telas de cinema e da TV vespertina, mas por representar tão bem um lucrativo BBB em escala ampliada por esteroides.