Não consigo deixar de ver, nas operações das Forças Armadas que visam impor trégua às guerras entre traficantes, o serviço de proteção a uma visível reserva de mercado.
Como todos os papelotes do Rio sabem, cada morro tem um dono, que dá ordens às tropas mesmo quando está preso (onde estão os bloqueadores de celulares e os parlatórios com isolamento?). Em condições normais de temperatura e pressão, é business as usual: chega na favela um novo lote de mercadoria, que depois é fracionada e distribuída aos alegres consumidores do asfalto. Um PM prende um pé-de-chinelo aqui, outro pega a sua mesada ali, e a modorrenta rotina prossegue.
No entanto, quando um traficante tenta se apoderar do território de outro, entram em cena as diversas instâncias de autoridades que, durante dias ou mesmo semanas, discursam, concordam, discordam e telegrafam aos bandidos que algo grande está para acontecer. É disso, desse aviso prévio, que a marginália precisa para esconder arsenais, paióis e mercadorias, e estabelecer táticas de confronto e rotas de fuga.
Encerrada a guerra, com o retorno da "sensação de segurança", o dono do morro (ou seu sucessor imediato) estará seguro para comemorar a ajuda que recebeu das tropas federais. No day after, asseguradas a reserva de mercado e a expulsão da quadrilha inimiga, tudo volta ao estadual, volta a ser business as usual: chega na favela um novo lote de mercadoria, um PM prende um pé-de-chinelo aqui, outro pega sua mesada ali, e a modorrenta rotina prossegue, até que nova disputa se inicie em alguma viela desse imenso Complexo do Rio de Janeiro que um dia já foi cidade.
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