terça-feira, 29 de março de 2011

Até quando manter a vida do paciente após uma parada cardiorrespiratória?

por Ricardo Goldbach, com entrevista concedida por João Gonçalves Pereira em outubro de 2008


Os cuidados para com um paciente que tenha sofrido uma parada cardiorrespiratória (PCR) constituem grande desafio para médicos intensivistas. O comentário Neurological Prognostication After Cardiac Arrest, de Hans Friberg, publicado no Scandinavian Journal of Trauma, Resuscitation and Emergency Medicine 2008, 16:10, avalia critérios de tomada de decisão quanto à tentativa de manutenção da vida do paciente. Segundo o comentário, a PCR fora do hospital é responsável por cerca de 275.000 mortes na Europa, anualmente, e, no momento, quase todos os hospitais escandinavos empregam hipotermia terapêutica (HT) no tratamento de pacientes em coma decorrente de PCR.

Friberg sugere que a decisão de suspensão de tratamento só ocorra quando um exame neurológico for comprovado por, ao menos, uma das seguintes avaliações objetivas: EEG com padrão patológico em normotermia, potencial evocado somatosensorial (PESS) com ausência bilateral de resposta cortical e níveis altos ou crescentes de enolase neurônio-específica, como marcadora de dano cerebral. Assim, segundo Friberg, um escore de 3 ou 4 na Escala de Coma de Glasgow, associado a um ou mais dos valores paramétricos indicadores de dano cerebral severo, constitui base para a decisão de retirada do tratamento.

Segundo o artigo Abordagem do Paciente Reanimado, do Assistente de Medicina Intensiva da Unidade Polivalente de Cuidados Intensivos do Hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa, João Gonçalves Pereira, publicado na Revista Brasileira de Terapia Intensiva Vol. 20 Nº 2, Abril/Junho, 2008, as intervenções terapêuticas destinadas a preservar a vida e as funções orgânicas após a PCR melhoram o prognóstico, "mas aumentam concomitantemente a sobrevivência de pacientes com lesões neurológicas e comprometimento cognitivo seqüelar grave".

Pereira nos conta que, antes da adoção da HT, o prognóstico era baseado em critérios neurológicos e neurofisiológicos. Com a HT tais critérios foram alterados, primeiramente porque a hipotermia influi, em pacientes nos quais foi iniciada de forma suficientemente precoce, a história natural da lesão neurológica, pela inibição da lesão de reperfusão. Em segundo lugar, "porque altera o metabolismo de fármacos sedativos que interferem com qualquer avaliação". Finalmente, porque pode alterar "as próprias manifestações neurológicas que permitem a identificação do prognóstico", conclui.

"É prudente considerar que não há no momento experiência suficiente para se poder considerar um prognóstico definitivo precoce nos pacientes submetidos a esta estratégia terapêutica", diz o especialista, concordando com observação de Friberg.

Em seu artigo, Pereira diz que "a ausência do reflexo pupilar e de resposta à dor ao 3º dia de evolução após a PCR, em paciente não sedado" é um fator de mau prognóstico, com especificidade superior a 95%". Outro fator considerado no artigo é "a ausência bilateral da resposta precoce (N20) nos PESS dos nervos medianos, com especificidade muito elevada para ausência de recuperação do nível da consciência".

Nosso entrevistado não defende o adiamento de "decisões de suspensão de medidas terapêuticas fúteis, que limitam a dignidade do paciente agônico e prolongam desnecessariamente o sofrimento familiar", e conclui que "se a avaliação determinar um prognóstico funcional fechado, ou seja, ausência de capacidade de recuperação de uma vida de relação mesmo mínima, as medidas de suporte vital extraordinário devem ser descontinuadas".

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