por Ricardo Goldbach
Na impossibilidade de acesso ao texto original do trabalho acadêmico ou a fontes fidedignas, mas dada a repercussão do assunto, me permito comentá-lo, assumindo que os fatos e alegações sejam reais, pelo mero exercício intelectual que suscitam.
Segundo texto corrente(*), Marcia dos Santos Silva fundamenta seu pensamento no artigo 5º da CF, que estabelece que
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
A jovem ainda teria alegado que "o direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, o que significa dizer que não é possível violar esse direito. E ainda que todo o brasileiro tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que o pedágio vai contra a constituição".
Em tese, concordo com a ideia, na medida em que o pedágio tenha sido instituído para ressarcir serviços prestados por terceiros (a empresa concessionária) visando conservação e melhoria de bens públicos (as rodovias). No entanto, segundo meu entendimento leigo, deveria caber à União o provisionamento de recursos para aquele ressarcimento, como igualmente deveria caber, para a realização de obras e melhorias, no caso de não ter havido a terceirização dos serviços. Para tanto já existem impostos, que não têm destinação específica (a exemplo do Imposto de Renda) e servem à cobertura de despesas genéricas da União.
O que chama a atenção é que a suposta autora, valendo-se de sua convicção, estabelece artifícios para fugir ao recolhimento do pedágio, tais como ficar "no vácuo" no veículo à sua frente ou simplesmente forçar a cancela e seguir adiante.
Nesse ponto ela passaria a incorrer em crime definido no Código Penal Brasileiro (DL 2.848/1940), que em seu Art.345 estabelece a figura do Exercício Arbitrário das Próprias Razões: "fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite".
A suposta formanda também escorrega na interpretação da Carta Maior quando desconsidera o Art. 150, que preconiza que
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[...]V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. [grifo meu]
Resumindo, o direito de ir e vir é assegurado, mas a União reserva para si - na forma da lei - o direito de instituir a cobrança de pedágio em rodovias.
Por último, lembro que "cláusula pétrea" não é o mesmo que cláusula inviolável. Por definição, todas as "cláusulas" da CF são invioláveis, sendo crime a violação de qualquer delas. Na verdade, cláusula pétrea é aquela que não pode ser submetida a alteração ou emenda, nos termos do parágrafo 4º do Art. 60:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;II - do Presidente da República;III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.[...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I - a forma federativa de Estado;II - o voto direto, secreto, universal e periódico;III - a separação dos Poderes;IV - os direitos e garantias individuais. [grifo meu]
Concluindo, estou plenamente de acordo com a tese relativa à ilegitimidade da cobrança de pedágio em rodovias, embora legal. No entanto, penso que a forma correta de se estabelecer ou restabelecer a legalidade do que é legítimo esteja na melhor escolha dos representantes que elaboram e emendam as leis brasileiras - deputados federais e senadores - bem como na pressão da sociedade sobre a atuação dos eleitos. Outra possibilidade seria a de que todos fossem livres para exercer suas próprias razões, de brigas de botequim a conflitos fundiários, mas a escolha me soa óbvia.
Uma terceira opção seria a desobediência civil organizada, mas isso já é coisa que requer bom senso, discernimento desapaixonado, capacidade de organização e informação.
Referências:
Constituição da República Federativa do Brasil
Código Penal - DL 2.848/1940
(*) Listo abaixo algumas das fontes secundárias do texto em questão, todas contendo textos idênticos:
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul (publicado em 05/12/2007)
Jornal Vox Populi (publicado em 31/05/2011)
Centro de Mídia Independente (publicado em 31/05/2011)
Hort, Rosa & Vogel Advogados Associados (publicado em 11/12/2007)
http://hrvadvocacia.com.br/old/noticias.php?subaction=showfull&id=1197389520&archive&start_from&ucat&
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