domingo, 14 de junho de 2015

Escrevendo muderno - por João Ubaldo Ribeiro

Este meu blog rejeita copy&paste; não sei por quê, mais mas só consigo postar coisas minhas. Mais Mas hoje, quase um ano depois da partida do inesquecível João Ubaldo, vou forçar a barra e reproduzir aqui um texto dele, publicado em 15/4/2001 n'O Estado de São Paulo, coisa linda, coisa dessas que Mike gostaria muito de ter escrito. Porque eu e o Mike, agente a gente vê a coisa meio assim também.

____________________________________

Escrevendo muderno

JOÃO UBALDO RIBEIRO


A nível de governo, acho maravilhosa a idéia de resgatar o português, atualmente tão relegado a favor do inglês. Acho também maravilhoso achar que pelo menos 90% da população concorda que essa medida, pois essa medida, ela é fundamental para resgatar nossa cultura, hoje tão penalizada pelo domínio do inglês. Mas também acho que essa nova lei, ela não pode ser colocada a nível de povo propriamente dito, porque, apesar de maravilhosa em sua intenção, de boas intenções, o inferno, ele está cheio. Como citei acima, nada tenho contra o governo, ele emitir suas próprias normas, aplicáveis aos funcionários dele e aos documentos dele.

Porém, a nível corporativo, acho que o governo, ele deveria reconsiderar tal decisão, porque a globalização, ela não pode ser brecada, não importa os antigos, que persistem no seu nacionalismo ultrapassado. Basta colocar o assunto objetivamente para se obter um insight maravilhosamente simples: a nível corporativo, o inglês já é universal, ao ponto de que já há -- e, de certa forma, sempre houveram -- empresas que exigem, ao nível médio de seus funcionários, o conhecimento da língua de Shakespear, até mesmo em função do processo irreversível, a nível de informática.

Coloco também que, a nível de fala popular, esta lei, ela com certeza terá o mesmo destino que sobreviu a tantas outras, de não pegar, ou seja, a lei, ela corre o risco de nunca vim a ser aplicada. Vou ir mais longe: esta lei, ela não vai pegar na população, pois a verdade é que ela só iria penalizar os que usam termos em inglês ou inglesificados, que hoje são a maioria, isto devido de que a língua portuguesa, ela não tem a capacidade de expressão da língua bretã, necessitando então de que usemos o vocabulário inglês. Seria maravilhoso que nós tivéssemos uma língua capaz de expressar nossas idéias tão maravilhosamente quanto o inglês, ele é capaz de fazer.

Não nego, o mérito de nossos artistas, que hoje atinge um nível maravilhoso. Na verdade, devo colocar a ressalva de que acho que os nossos artistas, eles são, em sua grande maioria, maravilhosos, principalmente na televisão, este poderoso meio de comunicação. Menas verdade seria declarar o contrário. Mas a realidade é que a língua portuguesa, ela não é circunsquita a televisão, ela é do povo em geral. E, mesmo na televisão, ela perde bastante do inglês, que é uma língua muito mais apropriada para o diágolo do que o português. I love you, ele tem o som super mais natural do que eu te amo. Muitos negam isso para não ir ao encontro dos nacionalistas que dominam as mídias, mas, se a pessoa for examinar bem sua conciência, verá que estou super coberto de razão.

Na música, é a mesma coisa. A nossa música, ela é reconhecidamente rica, com supertalentos maravilhosos, que eu adoro. Adoro, não. Muito mais do que isso, eu amo a música brasileira, do funk ao axé e seria tapar uma peneira com o sol querer negar como são maravilhosos artistas do porte de Chico Buarque, Caetano Veloso e tantos outros que me não deixam (o que atrai o pronome -- mas ninguém fala assim, ou sejam, as regras por si só não querem dizer nada, o que só vem de encontro as minhas afirmações anteriores), que me não deixam mentir.

Mas, contudo, a verdade é que a grande música é em inglês e sempre foi, através por seus maravilhosos intérpretes, do saudável Frank Sinatra ao superturbinado Michael Jackson. A lista dos grandes artistas americanos é inenumerável, de tão longa. E vamos pensando com objetividade, a nível do racional, sem posicionamentos baseados em preconceitos super sem sentido: a música brasileira, com todos os seus talentos, é meia medíocre, se defrontada com a música americana. Alguém, a guisa de exemplo, pode imaginar um clássico como Nigth and Day cantado em português? Não dá.

A nível de literatura, nossa língua, vamos reconhecer, ela não tem ninguém que chegue perto do já mencionado maravilhoso Shakspear. E onde está, por exemplo, o nosso Stephen King? Vamos catando por aí e a ninguém chegaremos com tal estrutura supermaravilhosa de talento literário. Pode-se alegar que temos um Machado de Assis, mas hoje, ao contrário do próprio Shekspear, que qualquer um pode ir no teatro e entender, são raros os que podem ler Machado de Assis, que, apesar de seu grande valor, usa uma linguagem superultrapassada, que já foi maravilhosa em seu tempo, mas esse tempo, vamos colocar as coisas com esenção, ele já é superantigo, não importe o quanto já foi maravilhoso.

Haveriam muitas mais coisas a colocar a respeito dessa lei, mas a falta de espaço penaliza a quem almeija de esgotar determinado assunto num espaço superlimitado. Está certo, o brasileiro, ele é um povo superalegre, superbom, supercordial, um povo efetivamente maravilhoso. Mas sua língua, ela já era, e tem exemplos claros desse fato, como qualquer pessoa que vá na Barra da Tijuca poderá atestificar. Ao invés de ficar se preocupando com esses assuntos que já foi vencido pela globalização, os nossos políticos, eles deviam era de estarem preocupando-se com a fome, a inclusão social, ou sejam, coisas que de fato interessa. Eu diria mesmo de que essa lei é fruta de falta de ter o que fazer, porque, se não pudemos nos livrarmos de tantas mazelas herdadas da colonização portuguesa, pudemos pelo menos nos livrar de uma língua que nos isola do mundo e atrapalha a nossa ascenção como povo.

Que o governo lhe conserve, tudo bem, seria uma tradição louvável. Todavia, porém, posso concluir garantindo super com certeza: se essa lei fosse subemetida a um plebicito, não exito em fazer uma previsão, no meu ver, supercorreta. Essa lei, ela seria rejeitada por praticamente toda a população, sem excessão. Mas não, tudo indica que será aprovada. Durma-se com um barulho destes.

____________________________________

Mais do Menos

ou "Praticando as Leis da Atração"

Ricardo Goldbach

Foto: Michel Filho / Agência O Globo
Implantar pequenos ímãs na ponta dos dedos é a nova moda para distrair amigos em festas e bares, pelo que leio hoje numa edição de online. É, parece que é isso mesmo. Para não ficar com cara de brincadeira de adolescente bêbado, a coisa atende pelo pomposo nome de "Transumanismo" e já tem até signo metalinguístico: "H+". Para mim, que tenho apenas sangue "A+", soa muito bonito e sedutor, parece algo gestado na Academia. E, "auge da tequinologia", pode-se implantar um chip de RFID (reconhecimento por detecção passiva de radiofrequência) no dedo, para que a simples proximidade com o telefone celular efetue o desbloqueio da tela. Parece impossível, mas fica mais pós-muderno ainda: o povo que ganha a vida fazendo piercing e tatuagem divulga com entusiasmo. Bingo.

Assim, em prol do "uso da tecnologia para ampliar as capacidades humanas" (sic), os jornalistas de comportamento têm uma pauta a mais. Por até dois dias, talvez. Já no Youtube, prevejo o surgimento de mais de cem protovirais. Por semana.

Contei ao Mike sobre a novidade, e ele me perguntou: "Como assim, ampliar capacidades humanas? Já não existe desbloqueio de celular por reconhecimento facial, de impressão digital, de íris e de voz?" Mike acha que no fundo, lá no fundão, esse povo quer posar no panteão que perpetua os próceres da promoção do progresso, ao lado dos inventores da roda, da alavanca, do binóculo, da penicilina e das próteses -- estas sim, inteligentes -- que nascem nos laboratórios de bioengenharia.

Mike olha para a foto do sujeito com pequenas esferas de metal penduradas na ponta do dedo e pergunta candidamente: "Não seria mais eficaz implantar uma semente de melancia no pescoço e aguardar que a Natureza fizesse a sua parte?" É, pode ser, como diz o outro. 

Mike analisa outra imagem -- um disco que gira magicamente, pendurado em um dedo -- e diz, pensativo: "Esse cara nunca mais poderá encostar em disquete, pendrive ou cartão de crédito..." Reflete mais um pouco, em silêncio, e em seguida pondera: "Mas o efeito manada vai ajeitar as finanças dos estúdios de piercing e tatuagem. Isso é muito bom, nestes tempos de malfeitos crimes acobertados contabilidade criativa maquiagem de balanços irresponsabilidade fiscal recessão desemprego em massa." Não posso deixar de concordar. Há um inegável efeito positivo no PIB.

Em outra matéria da mesma edição, leio que o "México tenta bater recorde de maior ‘selfie’ do mundo". Tudo a ver com tudo. Decididamente, a Humanidade avança a passos largos e inexoráveis -- para trás.


segunda-feira, 8 de junho de 2015

A "superbactéria KPC" e a síndrome da falta de critérios jornalísticos

Ricardo Goldbach

Acontece de novo, acontece sempre; na esteira do sensacionalismo que cerca (mais uma) ressurreição ameaçadora das "superbactérias", a mídia tradicional aposta no de sempre: em nome da pressa e do despreparo, veicula desinformação. Nas últimas semanas tenho lido que "A superbactéria KPC (...)" 

Para, para por aí. KPC é a abreviatura de Klebsiella pneumoniae carbapenemase, mas a bactéria propriamente dita atende pelo nome de Klebsiella pneumoniae. Carbapenemase é a enzima produzida pela bactéria KP. Logo, KPC é o nome da enzima, não da bactéria. Não havendo como desenhar isso mais claramente, sugiro consulta a fontes sérias (atenção, Globo e Band: Wikipedia não vale). 

Surpreendentemente, o dr. Drauzio Varella também não pode ser considerado referência técnica válida neste quesito. Por outro lado, a "Avaliação fenotípica da enzima Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) em Enterobacteriaceae de ambiente hospitalar", trabalho científico publicado no Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, está disponível na biblioteca eletrônica Scielo, para quem se dispuser a apurações mais consistentes.

Igualmente, a Anvisa se mostra mais merecedora de crédito quando descreve a KPC:
"Essa enzima pode ser produzida por vários tipos de enterobactérias (bactérias que estão presentes no trato gastrintestinal ) e o conhecimento científico tem demonstrado que ela confere às bactérias uma resistência ainda maior aos antibióticos, podendo inativar penicilinas, cefalosporinas e monobactâmicos. 
A enzima KPC já foi documentada em diferentes bactérias, como Salmonella enterica, Enterobacter sp, Enterobacter cloacae e na própria Klebsiella pneumoniae, que pode agir como uma bactéria oportunista em pessoas que estão com a saúde muito debilitada, provocando infecções graves no ambiente hospitalar."
Ouvi também, em noticiário de TV, que "A bactéria KPC é uma variante mais branda da bactéria KP", mas isso já se encontra abaixo do mau jornalismo; com boa vontade, é exercício ilegal de uma profissão que, definitivamente, não admite "chutes" nem palpites desinformados.

Em tempo: o mau uso e o abuso de antibióticos levaram a espécie humana a um ponto de não-retorno, mesmo que os grandes laboratórios decidissem gastar novas fortunas no desenvolvimento de novos antibióticos. A princípio, há preferência por investimentos em fármacos de uso continuado, que gerem fluxo de caixa positivo e estável ao longo do tempo. Mas, mesmo que um "super-antibiótico" fosse disponibilizado amanhã, ainda assim continuariam havendo mau uso e abuso, o consequente desenvolvimento de cepas de bactérias mais resistentes, etc, etc. 

Em 2010, a então coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da Clínica São Vicente (CCIH) e Gerente de Risco do Instituto Nacional de Cardiologia, Marisa Santos, afirmou durante entrevista que me concedeu: 
"Menos antibióticos devem ser usados, ou voltaremos à era pré-antibióticos, quando as infecções não eram passíveis de tratamento e controle."