Ricardo Goldbach
Quem é essa lula cujos tentáculos abraçam o Brasil e os eleitores brasileiros, as lições do passado e o futuro de todos nós, com tão pouca inapetência? Com tão pouca apreciação e respeito pela própria e sofrida história? Com tão pouca responsabilidade por seus atos e palavras?
Ela está no segundo mandato e ainda tento entendê-la. Ela contraria todas as normas e boas práticas da política, lançando com enorme antecedência a candidatura de sucessor, abrindo precocemente escaramuças que paralisam o cotidiano da gestão da coisa pública (res publica, república).
Ela cobra do presidente da Embraer a incapacidade de sustentar empregos e negócios em meio à maior crise econômica da qual se tem notícia. Sim, a maior. Em 1929 ainda não era possível o efeito dominó propiciado pela globalização, a alavancagem recíproca - para cima ou para baixo - favorecida pela colossal interdependência entre os mercados. Essa lula cobra, das economias mista e privada, a responsabilidade por atos de gestão, fazendo força para se esquecer de que o presidente do Brasil não é pai nem bedel de todos, fingindo ignorar que demagogia (demos gogos, conduzir pessoas) não rima com democracia (demos kratein, poder das/para as pessoas), que suas metáforas se esvaem em instantes e não resolvem os problemas existentes, os problemas causados por um momento de ruptura sem precedentes.
Essa lula não se dá conta de que a economia planificada russa, que decidia em Moscou quantas geladeiras seriam fabricadas e vendidas nos Urais, esvaiu-se esmagada pela própria insustentabilidade, pela impossibilidade própria da meta estabelecida com tamanha onipotência. Essa lula, por não ler os textos atuais e mostrar desapreço por novas luzes, se escora numa antiguidade recente para aparentar estofo (ideo)lógico perante sua corte, igualmente inapetente e desnorteada. Essa lula não vai se aperceber de que uma terceira via é necessária, e necessariamente desvinculada dos viéses marxistas e keynesianos.
Essa lula - tal como toda a oca classe política cujos negócios não me atendem - não se dá conta de seu papel de síndico de um imenso condomínio, segundo me informa o artigo 1o., parágrafo único, da Constituição de 1988, vigente no Brasil: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição". É um condomínio cujas despesas são rateadas e pagas pelos condôminos, sem as devidas contrapartidas essenciais. As contrapartidas que evitariam a cena que vi na noite própria do massacre da Candelária, poucas horas antes do evento. Era assustadora a massa de menores ali concentrada, que vi da janela do ônibus, sem qualquer fato ou motivo que permitisse a decupagem da cena. Mas tenho certezas sobre qual mão invisível os colocou naquela condição, em um sentido ampliado.
Sou o fruto perplexo de uma geração que acreditou em mudanças. Uma geração que, como eu, serviu cerveja atrás do balcão, em festas para arrecadação de fundos para a criação do Partido dos Trabalhadores. Bons tempos aqueles, os da esperança. Eu vertia sangue quando empalmava um caco de vidro escondido em meio às pedras de gelo do freezer. Muitos outros sangues e esperanças, bem mais carregados de substância, crenças, competências e significados do que os meus, se viram igualmente a escoar em vão, abraçados sem sinceridade por tentáculos ineptos.
Sou o fruto estéril gerado por uma árvore em cujo material genético está legivel e indelevelmente gravado "niilismo". Que seja, vamos ver o diabo de perto e dançar com ele. Ainda que restem crianças, plantas, um sol e uma lua.
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