Ricardo Goldbach
com informações de Jens Tønnesen
O fotojornalista dinamarquês Klavs Bo Christensen foi excluído, em janeiro passado, do concurso "Foto do ano", promovido na Dinamarca. A competição tem no juri membros do Danish Union of Press Photographers, o sindicato de classe local, e o fato é inédito nos 35 anos de existência do concurso. O motivo alegado foi a existência de "Photoshop demais" nas imagens de Christensen, cujos originais foram captados durante viagem ao Haiti.
O jurado Peter Dejong alegou que "ele deliberamente selecionou uma cadeira e tornou-a amarela, além de ter selecionado uma parede e tê-la feito azul". "Para mim isso é inaceitável", completou Dejong.
Observando-se a imagem citada (fig. 2) é possível constatar o aumento de saturação e constraste. Isto acentuou a tonalidade amarela original que, no entanto, não foi "criada" - já existia na imagem (fig. 1). O mesmo se pode dizer do tom azul da parede. A ampla gama tonal da imagem processada sugere que Christensen tenha empregado a técnica de HDR (high dynamic range), com a qual se mescla várias imagens, obtidas com diferentes compensações de EV, em uma única.
fig. 1 - imagem RAW
fig. 2 - imagem processada
Na foto seguinte encontra-se outro exemplo de "puxada" de imagem, através de aumento de saturação e contraste (fig. 4) de cores e tons pré-existentes (fig. 3). Neste caso, especificamente, os efeitos acrescentaram dramaticidade à cena original, não somente pelo maior impacto cromático obtido, como também pela acentuação das características de insalubridade e precariedade sanitária do local. No meu entendimento, esta foto não tem atributos que a tornem uma vencedora, quer na versão RAW, quer na versão manipulada. Contra ela pesam vários fatores, inclusive o erro primário de enquadramento, que a fez ficar inclinada, como é usual em fotos de amadores.
fig. 3 - imagem RAW
fig. 4 - imagem processada
Outro jurado, Miriam Dalsgaard, disse que "isso não significa que não aceitemos ou não reconheçamos edição em Photoshop, mas este exemplo realmente é extremo". Em seu favor, Christensen alegou que os formatos RAW, NEF, DNG e CR2 não refletem necessáriamente os parâmetros originais de uma imagem captada. Ele também não aceita que o confronto com a imagem RAW sirva como parâmetro de avaliação da imagem submetida ao juri. O fotógrafo afirmou, ainda, que percebeu diferenças significativas entre as imagens RAW obtidas por equipamentos Canon, Nikon e Leica, além das diferenças entre os algoritmos de diversos aplicativos de conversão a partir do formato RAW, bem como entre os perfis de gerenciamento de espaço cromático que podem ser configurados antes de uma edição.
Christensen vai mais além e diz que, mesmo quando se emprega filmes, a especificação técnica dos mesmos pode levar a exposição de uma mesma cena a ter resultados diferentes. Segundo ele, o registro de uma cena reflete diretamente as configurações de exposição do equipamento - abertura do diafragma, velocidade do obturador e ISO, por exemplo. A meu ver, neste ponto Christensen tem razão: RAW e realidade que se apresenta ao olho humano não estão necessariamente atrelados.
O que vejo aqui, como subproduto do celeuma, são os efeitos deletérios de normas difusas e subjetivas*. Elas permitem que conceitos como "extremo", "demais", "normal" e "boa prática" sirvam como argumentos de exclusão, apesar da subjetividade inerente a eles. No entanto, é salutar que, aos 35 anos de existência do concurso, as fotos de Christensen tenham suscitado debate tão intenso na comunidade. Ele, por sua vez, decidiu que de agora em diante apenas participará de concursos com fotos P&B.
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* "Photos submitted to Picture of The Year must be a truthful representation of whatever happened in front of the camera during exposure. You may post-process the images electronically in accordance with good practice. That is cropping, burning, dodging, converting to black and white as well as normal exposure and color correction, which preserves the image's original expression. The Judges and exhibition committee reserve the right to see the original RAW image files, RAW tape, negatives and/or slides. In cases of doubt, the photographer can be pulled out of competition".
Tradução:
"As fotos submetidas ao [concurso] "Foto do ano" devem ser representações reais do que quer que tenha ocorrido diante da câmera durante a exposição. Você pode pós-processar as imagens eletrônicamente, de acordo com a boa prática. Isso significa croping, burning, dodging, conversão para P&B, bem como correção de cor e exposição normais, que preservem a expressão original da imagem. Os juízes e o comitê da mostra se reservam o direito de verificar arquivos RAW originais, fitas RAW originais, negativos e/ou slides. Em caso de dúvida, o fotógrafo pode ser excluído da competição".
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