sexta-feira, 21 de agosto de 2009

No vale-tudo da blogosfera

Ricardo Goldbach

Abomino o copy&paste como forma de jornalismo, apesar de isto ser um lugar comum, nestes tempos em que blogs proliferam como cogumelos após a chuva. Nada contra o blog como ferramenta que sirva a algum propósito, mas tudo contra a publicação de textos do tipo "ouvi dizer que..." ou que sejam apócrifos e desprovidos de citação de fonte.

Se é o caso de se reproduzir algo recebido por e-mail ou lido em um outro blog, que ao menos haja um prudente e responsável trabalho de verificação. Pesquisa e verificação são dois conceitos que devem existir na cabeça do vivente antes mesmo da matrícula em uma faculdade de jornalismo, ou que ao menos sejam absorvidos no decorrer do curso.

O caso aqui é um texto que recebi por e-mail, que chamou minha atenção e me provocou a natural desconfiança quanto à veracidade. Encontrei o mesmo texto - com pequenas variações - em mais de 20 blogs; em nenhum deles há citação de fonte ou outro atributo visível de credibilidade. Todas as ocorrências se iniciam pela frase
"Eu já havia lido sobre a dificuldade de fazer beneficiários do Bolsa Família entrarem no mercado formal de trabalho no Nordeste".

Quem é "Eu"? Talvez eu tenha descoberto; havia uma nota igual, publicada na versão impressa do jornal Diário do Comércio (RS), na edição de 14 de agosto, segundo informa a versão online daquele mesmo jornal. Por estar na coluna Painel Econômico, assinada pelo jornalista Danilo Ucha, considero a nota merecedora de crédito. Fica apenas a dúvida sobre como um jornalista do Rio Grande do Sul teria testemunhado uma reunião da Federação das Indústrias do Estado do Ceará. Mas, ainda acreditando em um jornalista, reproduzo a nota:


"Bolsa Família

Eu já havia lido sobre a dificuldade de fazer beneficiários do Bolsa Família entrarem no mercado formal de trabalho no Nordeste e até achava que havia um pouco de política de oposição na história. Ontem, em reunião na Federação das Indústrias do Estado do Ceará, vi a história, contada e documentada, e bem pior do que eu imaginava. O Sinditêxtil-CE realizou um curso de preparação de mão de obra de 500 costureiras para o setor, onde está faltando gente. Das 500 mulheres que fizeram o curso, nenhuma ficou empregada, para decepção dos organizadores e das empresas que esperavam pelas novas empregadas. “Nenhuma, nenhuma aceitou o emprego porque teria que ter a carteira de trabalho assinada e, assim, perderia o benefício do Bolsa Família”, informou Franze Fontenelle, “foi muito triste para nós.” Todas queriam trabalhar se fosse informalmente, isto é, ficar com dois salários".


fonte: versão online do jornal Diario do Comercio


Então ficamos assim: aparentemente é fato que o Bolsa-Família, ao não prever a situação noticiada, tenha feito jus à pecha de assistencialismo que não raro é atribuída a ele. Mais ainda, o programa também teria servido de alavanca para o desperdício do dinheiro gasto pelo Sindicato com a formação das profissionais que optaram por não trabalhar ao final do treinamento, preferindo receber a esmola oficial.


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Scientia Brasilis

ou da importância da construção de conhecimento no Brasil

Ricardo Goldbach




Das descobertas serendípticas aos resultados obtidos pela perseverança que contorna obstáculos, a história da caminhada humana na face da Terra registra achados movidos tanto pelos ditames da macroeconomia quanto pelo lampejo nascido de necessidade imediata de resultado. Mas a Ciência vive de alimento - tanto espiritual quanto material - para existir e permanecer. Em troca, novos achados realimentam a possibilidade de novas conquistas. Não à toa, justamente na mais antiga universidade ainda em funcionamento no mundo ocidental, a Universidade de Bologna, foi estabelecida a conotação acadêmica para alma mater (do latim, "mãe que nutre") já em sua fundação, em 1088. A Universidade é uma nutriz.

Em 2008, gravei entrevista com o Chefe do Laboratório de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz e Pós-Doutor em Entomologia Médica pela University of Massachusetts Medical School, Anthony Érico da Gama Guimarães. O gancho era a grande escala atingida pela epidemia de dengue no Brasil e cuja intensidade oscilava entre os períodos de pico, apesar de existir permanente latência da ameaça. Mas a dengue é na realidade uma endemia, como a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas (SP) já alertava em 2000, em Boletim Epidemiológico: "Há uma expansão contínua da endemia de dengue no planeta".


Dez anos mais tarde, onde estamos? Num quadro de recrudescimento da expansão da endemia e do aumento do número de notificações e dos óbvios impactos na sociedade, para além dos aspectos da Saúde. Segundo a Agência Brasil, por exemplo, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, seção Rio de Janeiro (AbihRJ), Alfredo Lopes de Souza Júnior, informou que, em março de 2009, mais de 1.500 sites registravam "em todo o mundo, o nome dengue vinculado ao Rio de Janeiro". Neste mesmo ano de 2009, assistimos o nascimento de uma hecatombe sanitária conhecida como "gripe suína" - novas ameaças surgem, sem que as antigas tenham sido neutralizadas.

Enquanto isso, no Instituto Oswaldo Cruz, o cientista Anthony Érico prossegue em suas pesquisas no sentido de lapidar uma descoberta sua: o efeito biocida de determinadas plantas da Mata Atlântica sobre as larvas do Aedes Egypti, sem quaisquer efeitos nocivos para seres humano ou animais. Há na flora brasileira um insumo para a produção de importante coadjuvante no combate à dengue, cuja fabricação e uso dispensam pagamento de royalties às farmacêuticas multinacionais...

Maior do que o alto custo do combate aos efeitos das doenças, é o preço pago por não se alocar generosamente os recursos de que a Ciência precisa para assentar mais tijolos na construção de conhecimento no Brasil. Tais recursos seriam - suponho - muito menores do que, por exemplo, os custos burocráticos consumidos apenas nas meras atividades administrativas de registro e divulgação das baixas e fatalidades desta guerra sem fim.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A cada Kilowatt economizado... não acontece nada

Ricardo Goldbach

Em março passado, mais precisamente no sábado, dia 28, o mundo testemunhou um movimento denominado "Hora do Planeta". Simbolicamente, luzes de monumentos e locais públicos foram desligadas, numa tentativa de alerta para a premente causa do aquecimento global.


Segundo a Ong WWF, mais de 80 cidades brasileiras aderiram à ideia, também abraçada por centenas de empresas. Para os políticos, ao menos os do Rio de Janeiro, a adesão não passou de fanfarronice publicitária; as autoridades municipais responsáveis pela iluminação pública continuam a cobrar dos contribuintes a conta dos desperdícios elétrico e térmico. Centenas destas lâmpadas acesas durante o dia aquecem desnecessariamente o meio ambiente, só não vê quem não quer. É possível até que seja o pior - só não vê quem tem interesse na queima e reposição daquelas lâmpadas.



Eduardo Paes, aquele cidadão que o TRE diz ter sido eleito para o cargo de prefeito do Rio de Janeiro, continua a queimar dinheiro, dia e noite, principalmente de dia. Copacabana, Lapa, Ipanema... Dez horas da manhã, três horas da tarde... Escolha-se qualquer bairro, qualquer hora, e constate-se o verdadeiro crime que a Prefeitura comete contra as contas públicas, as reservas energéticas e o cada vez mais insalubre meio ambiente.

Para os técnicos que desconhecem o problema ou a geografia dos bairros cariocas, as fotos, feitas no cruzamento das ruas Tonelero e Mal. Mascarenhas de Moraes, já são um bom começo. Caso o prefeito continue ignorando a Lei (como a ignora em inúmeros outros temas), corre o concreto risco de responder a Ação Civil Pública por infração ao disposto na Constituição Federal, e cujo patrocínio cabe mandatoriamente ao Ministério Público Federal, eis que a CF protege direitos coletivos:



"CAPÍTULO VI
DO MEIO AMBIENTE

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Há alguém do MPF na platéia?

Arquiteto real projeta museu virtual, o Museu da Corrupção

Ricardo Goldbach

Formado em Arquitetura, com direito a Juscelino Kubitschek como paraninfo da turma, o mineiro Rodrigo de Araújo Moreira, de 78 anos, é um premiado profissional do mundo real. Fortemente influenciado por Oscar Niemeyer, Rodrigo é responsável por projetos tais como o escritório da Usiminas, em Itabira, a sede do Clube de Regatas Vasco da Gama, em Santos e a sede do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) de São Paulo. Desta vez Rodrigo inovou, ao projetar o Museu da Corrupção, transposto da prancheta real para o universo virtual por estudantes de arquitetura contemporâneos.

O museu, que de virtual tem apenas o substrato, foi concebido com base em conceitos arquitetônicos para abrigar a história moderna e concreta da corrupção no Brasil. O visitante pode navegar através dos itens do acervo, dispostos ao longo de salas constantemente abastecidas com novas peças.

Ao contrário das enfadonhas porém tristemente verdadeiras colagens de casos de corrupção que circulam atualmente por e-mail, o Museu da Corrupção tem o mérito de permitir, ao mesmo tempo, a visitação não linear e o aprofundamento em conteúdo textual e infográfico amenizados pela crítica satírica.

Esta iniciativa, patrocinada pelo jornal Diário do Comércio, de São Paulo e sob curadoria da jornalista Regiane Bochichi, reflete com infeliz acerto a necessidade - nestes tempos de inimaginável desgaste das instituições políticas brasileiras - de não se deixar a história contemporânea ficar relegada aos recantos dispersos e voláteis da memória coletiva. Seria melhor que sua existência fosse desnecessária.


quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Glaxo, Novavax, Baxter e Gilead - a nova corrida do ouro?

Ricardo Goldbach

A evolução dos papéis das quatro empresas de biotecnologia mostra trajetórias semelhantes e convenientes. Após o pico atingido em agosto de 2008, os valores de mercado de três daquelas companhias tiveram queda constante, somente estancada pouco antes da eclosão da primeira epidemia da gripe A(H1N1), ocorrida no México em abril de 2009.











GlaxoSmithKline (fonte: stockspy.com, acesso em 06/08/2009)











Gilead Sciences (fonte: stockspy.com, acesso em 06/08/2009)











Novavax (fonte: stockspy.com, acesso em 06/08/2009)











Baxter International (fonte: stockspy.com, acesso em 06/08/2009)


A inglesa GlaxoSmithKline é a fabricante do antiviral Relenza, sob licença da australiana Biota Holdings Ltd., que recebe como royalties 7% dos resultados das vendas. Com a estimativa da Glaxo de aumento de sua produção anual, de 60 para 190 milhões de doses, as ações da Biota tiveram uma valorização de 400% desde o início de 2009.

A Novavax é uma concorrente de peso neste mercado e anunciou, em 5 de agosto de 2009, o início da utilização de processo por ela patenteado - o Virus-like Particle (VLP) - para reduzir de nove para três meses o tempo de fabricação de antivirais contra o H1N1. Além de mais rápido o VLP é mais barato, pois não utiliza ovos de galinha preparados para cultura de virus destinados à produção de antígenos, como nos processos convencionais.

E o que é Baxter International? É a empresa norteamericana de biotecnologia responsável pelo antiviral Celvapan. Foi de uma instalação da Baxter na cidade austríaca de Orth-Donau, que escapuliu acidentalmente, em fevereiro de 2009, uma não totalmente explicada recombinação entre os virus causadores das gripes A(H5N1), a aviária, e A(H3N2), a influenza sazonal comum. O material contaminado foi distribuído para instalações fabris na Eslovênia, República Tcheca e Alemanha, onde foi utilizado na fabricação de vacinas contra o H3N2. Este grave acidente, explicado pelo porta-voz da Baxter alemã, Jutta Brenn-Vogt, e também reportado pelo Toronto Sun (Canadá), pode ser considerado uma catástrofe, pois deu ao H5N1 o grande poder de transmissão do H3N2, quando o primeiro era considerado como estando sob controle. A grande imprensa não deu mais atenção ao episódio, a quantidade e a localização das mortes resultantes da vacinação fatal não foi divulgada, e a Baxter prosseguiu normalmente no business de antivirais, as usual.

Já a Gilead Sciences é a detentora da patente do Tamiflu, fármaco produzido sob licença pela suiça Roche, mediante pagamento de royalties de 10% sobre os resultados comerciais. O Tamiflu tem como princípio ativo o fosfato de oseltamivir, um inibidor da neuraminidase - enzima que viabiliza a reprodução do vírus na célula hospedeira.

A norteamericana Gilead é uma empresa de grande peso, tanto tecnológico quanto político. De acordo com a CNN, o ex-Secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld foi presidente do conselho da Gilead entre 1997 e 2001, quando saiu para assumir a posição na equipe de George W. Bush. Mesmo afastado da direção da empresa, Rumsfeld manteve participação milionária nos reultados na Gilead, na condição de acionista. Foi Rumsfeld quem mostrou, à época da epidemia de gripe aviária de 2007 - ainda na posição de Secretário de Defesa - que os EUA tinham necessidade de estocar bilhões de dólares em vacinas.

O gráfico abaixo mostra que a preocupação de Rumsfeld fazia mais sentido para um acionista do que de para um interessado em salvaguardas da saúde pública.


(dados colhidos até julho de 2009)