domingo, 23 de novembro de 2014

O infinitivo flexionado, esse desconhecido

Ricardo Goldbach

E vai que, lendo matéria sobre o que se convencionou chamar de "tecnologia", me deparo com:
— Definiticamente estamos vendo os crimininosos focar a sua atenção em dispositivos móveis. Isso ocorre porque passamos mais tempo agora com aplicativos e telefones do que com desktops — afirmou ele à "BBC".
Quatro coisas chamaram minha atenção:

- o "Definiticamente", que comprova que os jornais estão cortando despesas com corretores ortográficos, com jornalistas ou com ambas as coisas (eu apostaria nesta última hipótese);

- o emprego do desagradável e onipresente modismo "focar", que denota comportamento de rebanho, falta de criatividade ou ambas as coisas (eu apostaria nesta última hipótese);

- a falta de concordância entre "criminosos" e "sua atenção", que mostra... Bem, já deu para entender;

- por fim, o uso incorreto da flexão do infinitivo – "estamos vendo os criminosos focar". E era aqui que eu queria chegar.

Você diria Vamos sair para jantarmos? Não, certamente não. Isso não "soa bem aos ouvidos". Mas que regras fazem com que algo soe bem aos ouvidos e à gramática, tudo junto, ao mesmo tempo, agora?

A mais simples é: a quais sujeitos se aplicam os verbos em questão?

Na frase acima, há apenas um sujeito, nós (está oculto, mas está lá). Assim, se o verbo da primeira oração – sairemos ("vamos sair") -- já está no plural, não se flexiona o verbo da segunda oração. Fica jantar, mesmo, e não jantarmos: Vamos sair para jantar. O sujeito é o mesmo, nós

Repita comigo: se o sujeito é o mesmo, não vou flexionar o verbo da segunda oração.

Agora vamos a um contraexemplo, uma frase com duas orações e dois sujeitos diferentes:
Eles nos convidaram para sairmos.
Parece errado? Pode até parecer, mas não é. Se são dois sujeitos (eles e nós), então são duas flexões independentes.

No próximo exemplo fica mais clara a importância da boa flexão do infinitivo; é um daqueles casos em que a escrita pode mudar totalmente o sentido das coisas. Observe a enorme diferença de significado entre as frases:
Estou me preparando para sair.
(sairei sozinho)  
Estou me preparando para sairmos. 
(sairemos juntos, mas, aparentemente, só eu me dedico à preparação)
Estamos nos preparando para sair.
(todos nos preparamos para sair e sairemos juntos)
Estamos nos preparando para sairmos. 
Já o quarto exemplo... Isso, ele está errado; você já pegou o espírito da coisa: quem manda é o sujeito da segunda oração, ao ser o mesmo (ou não) que o da primeira.

Aliás, o sujeito influencia um bocado uma outra situação -- o uso da vírgula em oração coordenada sindética aditiva --, mas isso fica para outro post. Enquanto isso, vamos vendo os criminosos focarem suas atenções no que lhes interessa, como é de se esperar. Até.


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